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21ª QUADRA - SETEMBRO DE 2016

 

1- CHARLA DE BRAVOS EM TEMPOS DE PAZ
Autor: José Luiz dos Santos
Declamador: Nairo Coutinho
Amadrinhador: Zulmar Benitez

O balanço da cadeira
silenciou num de repente,
quando o neto na sua frente
apeou do “malacara”.
Um petiço de taquara
que parecia bufar,
e o velho foi escutar
o que dizia esse “taura”.

- “Meu avô, vou “fazê guerra”,
de lutar uns contra os outros,
vou montar o melhor potro
pra matar meu inimigo.
Quero enfrentar o perigo
e atirar pra todo o lado,
e, se eu tiver apertado,
sei que conto contigo!”

O velho enxergou o Bento
na figura da criança;
lembrou o tempo de infância,
de campeiro e peleador.
Sentiu no peito o calor
das hostes de Canabarro,
sem vaidade, sem esparro,
mas, guerreiro de valor.

Quem tem batalha no sangue,
traz por herança a bravura;
e a pequena criatura
retratava seu destino.
Pois lutou desde menino,
defendendo um ideal;
recuerdos de um imortal,
touro puro em campo fino.

Vontade não lhe faltava,
pro guri, dar um incentivo;
quem é guapo tem motivos,
contra aves de rapina;
que mancham nossas campinas,
com ganâncias primitivas,
e roubam nossas divisas,
tudo em troca de propina.

Essa sede de poder,
que deslumbra os governantes
com impostos ultrajantes
na verdadeira sangria.
Campeia a patifaria,
de roubo e corrupção,
que empobrece esta nação
à luz dessa tirania.

Não temos mais lideranças,
pra defender nosso chão;
o nosso imenso rincão
tá a beira da ditadura.
Na mordaça, a linha dura
pra quem disser a verdade,
e a falsa moralidade,
o povo já não atura.

No tempo dos farroupilhas,
acontecia isso tudo,
mas alguém não ficou mudo
e mudou o rumo da história.
Hoje, serve de memória,
na leitura do passado,
pra quem foi acostumado
a viver com luta e glória.

O sangue ferveu nas veias,
sentindo aquela alegria,
de se mandar “ a lá cria”
com a bandeira desfraldada.
“Terciando” na madrugada,
com ganas de galo novo,
pra defender o seu povo
das garras da “cachorrada”.

- Guri, eu vou contigo!
deu um ímpeto de dizer;
mas precisou se conter
pra dar vazas a razão.
No controle da emoção,
Nunca se incentiva a guerra,
mesmo em defesa da terra
contra bandido e ladrão.

Uma lágrima quase veio
emoldurar o seu rosto;
mesmo sendo, a contragosto,
precisou dar um conselho:
- “Meu guri, descansa o relho
e vamos prosear um pouco;
nosso mundo tá tão louco
e anda muito desparelho!”

- “ Meu neto, preste atenção,
escute bem o que eu digo:
o castigo ao inimigo
é a Justiça que está dando.
Quem é justo está ajudando
a manter a lei e a ordem;
não é pregando desordem
que o mundo estará mudando!”

- “A guerra não dá remédio,
nem camisa pra ninguém;
quero que entendas também


e respeite a evolução.
Que esta tua geração,
tenha fé e seriedade
e aprenda na faculdade,
que todos somos irmãos!”

- “Educação e bom senso,
são as molas propulsoras,
contra mentes impostoras
que assolam nosso país.
O amor é a diretriz,
do patrão ao capataz;
nessa luta pela paz,
que é nosso bem de raiz.”

- “Por isso, querido neto,
te senta aqui, bem pertinho;
receba este recadinho
dum gaúcho de verdade;
que peleou na mocidade,
e hoje pede ao Criador:
Arquiteto, meu Senhor,
abençoe a humanidade!!!”

2- LÁ NO CERRO DOS PORONGOS
Autor: João Antônio Marin Hoffmann
Declamadora: Liliana Cardoso Duarte
Amadrinhadores: Leonardo Pinho e Alexandre Souza

Assim cresceram os dois, com parescença de irmãos.
O branco, fez-se maestro no manuseio da pena!
O mulato, mais campeiro, com precisão de doutor
No manuseio da faca, fez graduação no carneio.
Pena e aço tão distintos, mas com vínculo pros dois . . .

Mas, a vida cambia rumos, e a deles cambiou a sina
Quando alguém, quase um abuso, puxou o berro pro branco,
Mas não poder fazer uso. . .

Punhal parido do nada, arremessado a preceito
Brindou enfeite, um adorno, ao se aninhar no contorno
Do pescoço do sujeito. . .

Escafedeu-se o mulato . . .
Notícias sem precisão, davam notas que o vivente
Tinha tombado em pendengas. . .
Outros, até comentavam, d’um negro bravo, guerreiro,
Que se juntou aos lanceiros da esquadra do Teixeira,
Peleava na Farroupilha, c’oas tropas de Canabarro
Lá pras bandas da fronteira. . .

Madrugada de novembro, galos inda sonolentos,
Os grilos com seus cantares, da graça não deram ares,
Como que adivinhando, q’nesta noite teria
Som de outra sinfonia no aço dos instrumentos. . .
O preço foi muito caro, quando David Canabarro
Com receio d’um motim, desarmou os seus lanceiros. . .

Vidas ceifadas no Cerro, sem poder se defender,
Quando Moringue, cumpriu a ordem q’um dia,
Teria escrito Caxias – Poupe o sangue brasileiro . . .
Como se negro não fosse, como se negro por ser,
Fosse ausente de valor, tratado com preconceito,
Sem direito a ter direito, como uma raça inferior. . .


Era um Deus nos acuda, um salve-se quem puder. . .
De longe, presenciou tudo, um aço cortando fundo
E o dente do aço arde, sentiu que seria tarde
Pois o golpe desferido fez seu pai ajoelhar-se. . .
Curvado aos pés do inimigo esperando o derradeiro
Que demorava chegar. . .

Punhal parido do ausente, e o inimigo silente
Para um filho já descrente tomba diante do pai. . .

Naquele braço esticado, oferecendo resguardo,
Aquele filho bastardo, que há anos nem tão distantes,
Negara paternidade em troca do financeiro. . .
Trocara o amor da negra, que era puro e de verdade,
Pela filha do patrão e uma vida de vaidade. . .

O branco, inda aturdido, pela cena presenciada,
Guaradava os dois a sua frente, enquanto duas vertentes
Vazavam já incontidas. . .
O mulato, outra vez, um anjo na sua vida. . .

Quando o dia abriu seus olhos, dando conta do ocorrido,
Ficou um tempo escondido, por entre os morros do cerro,
Cabisbaixo, estupefato, parecendo c’esse ato,
Não crer neste sucedido. . .

A natureza silente, compartilha o genocídio...
E por respeito ao que via, silêncio lá nos Porongos
Seria a ordem do dia. . .

A partir desta peleia, o quatorze novembro,
Nunca mais seria o mesmo. . .
O chão semeado de tantos, fazia o verde do pasto
Mesclar-se ao negro dos corpos, que a matança
Fora feia. . .

Mãos, que não cumprimentam mais e nem mais acenarão,
Braços que jazem jogados como procurando outros,
Na ânsia de se abraçarem, mas que não mais o farão. . .
Pernas que perderam posto, já não conduzem ninguém,
Já não sentirão o gosto de poder abraçar potros,
Permitindo que seus donos bebam do sul pelo rosto. . .

Dizem os velhos tropeiros, q’inda hoje lá no cerro
Se escuta o tinir do aço, lamúrios, gemidos, gritos. . .

Talvez os mesmos domandem a homenagem que não veio
A estes bravos lanceiros? Que em troca de liberdade,
Defenderam nosso ESTADO, da ganância Imperial,
Pagando c’oa própria vida, lá no Pinheiro Machado. . .

Lanceiros, acima de qualquer bronze pra eternizar teus atos,
Qualquer monumento é parco pra referir tua memória,
Porque pro RIO GRANDE és fato, e acima de tudo um marco
Nos anais da nossa HISTÓRIA . .
.

3- MONÓLOGO DE PASSAGEM
Autor: Luís Cesar Soares - Gravataí
Declamador:Luis Afonso Ovalhe Torres - Gravataí
Amadrinhador: Marcus Morais (Guaíba) Douglas Umabel (Porto Alegre)

“Meus pés inquietos
Dançam a milonga do vento,
Ventito morno, vaqueano de tormenta...
Essa tropilha de nuvens cinzentas
Varrem meus pensamentos...
Esses murmúrios, esse vozerio do povo,
Me deixa zonzo, meio tonto...”

“Se abanque parceiro, a prosa é longa...
Dessas de varar madrugada...
Tomas um mate? Está florão de tropa!”

“Sabe, ando sufocado!
Preso... Sem vida... Engaiolado...
Pareço passarinho quebrado da asa,
Que caiu do ninho tentando fugir de casa...”

“Tudo tão confuso...
Até já perdi o tino e o gosto...
Já não sei se este mate que sorvo
É doce ou amargo...
Se o que sinto na carne,
Nesse couro curtido da vida,
É dor ou prazer... Se tenho carne!?
Se tenho couro!? Se tenho vida!?”

“Meu palheiro apagou! Alá puchâ!
Extraviei a pederneira*... Tens fogo?
As coisas vêm... E vão...
Passam... As botas furam...
As bombachas rasgam... O chapéu pui...
A gente fica parado tal qual dois de paus,
Perdido numa mesa de truco,
Nessas cartas de mentira...”

“Ficamos lamentando a vida...
O destino ingrato da colheita rala
Desse nada que plantamos...
Dessa praga, desse joio que infesta o trigo...
E não mexemos uma palha
Para arrancar o inço...”

“Sabe... Gosto dessa figueira
No alto desse descampado
Me dá um arrepio na espinha,
Passa uma coisa forte!
Essa calmaria mexe comigo...
Sempre fugia pra cá quando era guri...”

“Parece até que foi ontem,
A aragem fresca do fim da tarde,
O gado pastando tranquilo,
Uns bem-te-vis perdidos,
Como aquele, no lombo da rosilha
E as garças branquelas,
Canelinhas finas,
perninhas de saracura...”

“Me vem tanta coisa...
As pencas de petiço...
Aquela briga com o Nico
Da Comadre Pequena...
O tordilho do Vicente
Roncando depois daquela rodada...
Os bailes no salão do Ernesto,
Ah! A Tereza...
Me sinto maneado no tempo...
Dá uma saudade, um aperto no peito,
Me foge o ar, o chão...”

“Lá vêm o comissário e seus dois praças...
Etâ gente sem serventia!
Não vão me deixar em paz...
Querem terminar logo com o baile!”

“Mas bueno, resolvi tudo na calada da noite,
Não gosto de choramingo, de lamento...
O que tá feito, tá feito! Então faz um favor,
Passa lá em casa, dá um beijo nas guria,
E um abraço cinchado no mano veio,
Pede pra ele reparar o gateado,
Para dar meia “lata” de milho
E soltar pro banhado...”

“Pro povo... Pode falar que...
Uma tropilha de recuerdos
Andava negaceando a porteira...
Melhor... Diz que fiquei louco,
Que varei a cancela do firmamento,
Montado num cavalo de vento...
Que a saudade era tamanha
Que das cicatrizes brotaram asas,
E que, voando, voltei mais cedo, pra casa!”

*Pedra muito dura usada para gerar faísca,
Em antigos isqueiros de guampa e em armas...

4 - SONATA PARA A MUSA REVELADA
Autor: Vaine Darde
Declamador: Guilherme Suman
Amadrinhadores: Diogo Barcellos e Dhouglas Umabel

I

Talvez se Renoir de ti soubesse,
da luz que no teu riso se revela,
tivesse eternizado-te nas telas
exposta no esplendor que permanece.

Petrarca, se teu vulto concebesse
quem sabe, não sofresse tais mazelas...
E Laura não seria mais a bela
de todos os sonetos que escrevesse.

Da Vinci, deslumbrado de ternura,
previu-te perpetuada na moldura
e pôs o teu olhar na Mona Lisa

Beethovem, num sonoro frenesi
teria dedicado para ti
o canto angelical que fez pra Elisa.

II

Camões, que navegou por mares vastos
singrados pela lira lusitana,
nos versos que timbrou teu nome explana
co’a pena que cantou à Inês de Castro.

Cervantes que, apesar de estar no claustro,
doou a Don Quixote asas humanas...
Na doce Dulcinéia, só emana
a glória de sentir teu colo casto.

Balzac, tanto quanto se define,
nas cartas que enviou para Evelin
e descreve tua tímida silhueta...

Percebo que, também pensando em ti
, um dia, apaixonado, shakespeare
cismou que deverias ser Julieta.


III
Eu te vi tanta vez em sherazade...
Em Isolda, em Helena, em Rapunzel
e te ouvi em corais vindos do céu
naquela primavera de Vivaldi.


De Afrodite, de Vênus tu te evades
pra ser pauta ou soneto no papel,
a musa mais constante e mais fiel
da ópera às milongas de arrabalde.

Porém após milênios de cultura
em versos, em acordes e esculturas,
te vejo nos meus olhos revelada.

E tendo-te ao meu lado, assim, desnuda...
Eu penso que és aquela a quem Neruda
compôs sua Canção Desesperada.

5 - O MISTÉRIO DA FLOR AMARELA
Autor: Jorge Claudemir Soares
Declamador: Douglas Neves
Amadrinhador: Marcos Morais

Fiz um mate bem cevado
desses ditos “de patrão”,
pra acalmar o coração
e remoer os pensamentos,
à tardinha é o momento
da lembrança que maltrata,
a saudade é madrasta
e, algoz dos sentimentos.

O chimarrão, do fim de tarde
tem um sabor de nostalgia,
pois, perdeu toda alegria
dos risos de antigamente.
Quando o rancho tinha gente
e o amor rondava o catre
o sabor de cada mate
sempre foi bem diferente.

Até os pássaros se foram,
abandonando a paineira,
e as formigas cortadeiras
levaram as ultimas rosas.
A grande “Acácia Mimosa”
foi minguando e pereceu
o jardim também morreu
dessa estiagem amorosa.

Quando teus olhos de lua
enfeitavam a minha tarde,
teu sorriso era um alarde
dispersando-me o cansaço;
ainda sinto o teu abraço
e o perfume de flor guria
naquele beijo que consumia
a noção de tempo e espaço.

Um dia, deixaste o rancho
sem nenhuma despedida,
ausentou-se da minha vida
sem me dar uma explicação.
O tempo é senhor da razão,
pensava comigo mesmo,
e, passei a viver a esmo
eu, o cusco, e o coração.

As coisas foram minguando,
e, o rancho ficou tapera,
tudo morreu nesta espera
do fim desta longa invernia.
Foi-se embora a alegria
emudecendo o meu violão,
nunca mais fiz uma canção
nem recitei uma poesia.
Hoje, a dor faz contraponto
ao sabor do mate amargo,
e as reminiscências que trago
são restos daqueles tempos,
só me sobraram tormentos
depois que te foste embora,
e, com a tarde chega a hora
de matear com o sofrimento.

As lembranças turvam a vista
e fazem apertar o coração,
encilho de novo o chimarrão
pra dar um segundo galope;
o meu peito tonto a golpe,
esconde a índole chorona,
que lamenta por sua dona,
mas, não reclama da sorte.

A cambona chia ao fogo;
parece reclamar de dor,
meus olhos acham parador
naquilo que restou do jardim.
em meio à jujos e alecrins
nasceu uma flor amarela,
uma das coisas mais belas
que veio ao mundo pra mim.

Aquela beleza selvagem
refulgindo a luz da vida,
parece ter sido esculpida
pela Mão do Criador,
representa que a linda flor
traz nas pétalas a alegria,
e, faz reencarnar a guria
que me apresentou o amor.

Preciso agradecer a Deus
pelo dom desta oferenda,
por devolver minha prenda
linda, faceira e cheirosa;
No lugar das antigas rosas
voltastes para a tua casa,
o meu sofrer te deu asas
e, tu retornaste: Mimosa!

Se, Deus te devolveu a vida
por meio da flor amarela,
deveria te plantar na capela
em que dormes para sempre.
Nossa casa, já não tem gente
e, te faltarão os cuidados
tudo está abandonado,
restei só eu: sobrevivente.

O rancho está tapera
e, o coração endureceu.
Até o meu cusco morreu
esperando a tua chegada.
varei muita madrugada
chorando a tua ausência,
quando a dor vira dormência
tu voltas, assim, do nada.

Preciso me acostumar
com essas idas e vindas,
pois, a flor quanto mais linda
mais efêmera é sua estada.
Por mais que esteja cuidada
amanhã, talvez, pereça,
e o sonho se desvaneça
até a próxima florada.

Um dia, partistes daqui
levando o meu coração,
mudastes de dimensão
deixando-me aqui sozinho;
e, quando refaz o caminho,
renascendo em meu querer
não quero te ver morrer
por falta do meu carinho.

Por isso, flor amarela
eu peço que te vás daqui,
pois, não quero viver em ti,
os meus momentos febris.
Tudo que eu sempre quis
foi tê-la juntinho de mim
e Deus te levou do jardim
fazendo-me um ser infeliz.

Quando se for a estação
e tu murchares teu viço,
talvez, isso seja o indício
do fim deste andar ao léu.
Quiçá eu cesse o tropel
e, encontre o meu parador,
vamos reviver nosso amor
nalgum cantinho do céu.

6 - QUEM VEM AO MUNDO PELO CHÃO DE AREIA
Autor: Léo Ribeiro de Souza
Declamador: José Estivalet
Amadrinhador: Mário Tressoldi e Rodrigo Reis

I
Pele de bugre, de marrom praieiro,
matiz de bronze destes memoriais,
couro curtido dentre os canaviais
de quem labuta ao sol de janeiro.

Jeito açoriano no falar cantado,
sabe dos ventos que irão soprar,
conhece as manhas deste velho mar,
não sai pras lidas sem Xangô ao lado.

É um daqueles que nasceu dos rastros
destas tropeadas sob a luz dos astros
donde, dos pousos, se forjaram aldeias.

Talvez por isso que transcenda os tempos,
do mesmo jeito, sem "frouxar" um tento,
quem vem ao mundo pelo chão de areia.


II

Traz no seu peito o troar liberto
de mil tambores, essa voz dos morros,
pelos quilombos a pedir socorro
pra um povo negro de destino incerto.

Maçambiqueiro mas encontra vasa
pra uma milonga de findar o dia
quando a saudade pede cantoria
que traga almas pra rondar as casas.

Tal como cruza oceano e rios,
numa canoa de gingar bravio,
enfrena um pingo e o estribar campeia.

E sai com pose de gaúcho alçado
chapéu na testa, laço apresilhado,
quem vem ao mundo pelo chão de areia.


III

Do solo guapo de aridez sulina,
brotaram nomes que timbraram eras,
que fizeram história com ardor de feras,
cavalarianos de cruzar por cima.

No viver de hoje, onde uma agonia
vem tomando conta de nosso universo
eles se acalmam recitando versos
pelas ribaltas de uma Sesmaria.

Ah se eu pudesse, se me fosse dado
esse direito de escolher meu fado
jamais saía desta volta e meia.

E ao findar a estrada, se não for demais,
queria, ao entorno de meus ancestrais,
volver pra terra pelo chão de areia.

7- SOB OS OLHOS VENDADOS DA JUSTIÇA
Autor: Sebastião Teixeira Correa
Declamador: Pedro Junior Lemos da Fontoura
Amadrinhador: Clênio Bibiano da Rosa

I
Tira tua venda ó Deusa da justiça
E olha nos olhos dos teus magistrados,
Vejas o quanto que andam degradados
E corrompidos pela vil cobiça

Tira tua venda ó Deusa da justiça
E verás com espanto as tuas leis
Servindo pra amparar algumas greis
De onde o poder emana e enfeitiça

Arranca, pois, esta viseira, arranca,
Quero mirar de vez tua carranca
Para saber o que há dentro dos teus olhos

Pois suspeito que eles vêem a decadência
E se cobriram só por conveniência,
Fingindo estar alheios aos embrólios

II
Enquanto o povo sofre sob a canga
Guiado por rejeiras e ferrões,
Imóvel tu veneras os cifrões
Que multiplicam-se nos bolsos da camanga


Enquanto tu manténs cartas na manga
Para uso espúrio e oportunista,
Os coronéis passam as tropas em revista
E ao povo nada mais que a dura changa

Não vês que o Continente Varonil
Ainda explora a mão de obra infantil
E maltrata os negros, os índios e os idosos

Que a saúde está regrada pela usura
Dos planos, que têm máfias na estrutura,
E que a vida está na mão dos poderosos

III
Há uma legião de inocentes, cujas penas
Os fazem vegetar pelas cadeias,
As leis são como aranhas, que nas teias
Só aos pequenos impõe suas condenas

Há uma horda de canalhas de gravatas
Que andam, a lo largo, protegidos,

No capital dissimulam-se os bandidos
E os tribunais se lambuzam de bravatas

Há um Cristo mendigando em cada esquina
Porque a justiça arbitrária o discrimina
Insensível, no afã do alto salário,

Fala mais alto o ideal corporativo,
E o mal, que é poderoso e que é lascivo,
Deslumbra e embriaga o mercenário

IV
Larga, ó Têmis, os pratos da balança
Que pendem, quase sempre, ao lado forte,
A senha é o cifrão, que mostra o norte,
A “orquestra” dá o tom e o povo dança

Tira esta máscara e mostra o teu semblante
E olha bém nos meus olhos que te indagam,
Repele as lisonjas que te afagam
E abraça a dor que sofre o semelhante

Por Deus, te imploro, não passes pelas eras
Fingindo que não vês as tuas feras
Omissas ao clamor que desatina,

Pois um dia haverá, tenho certeza,
Uma voz que se erguerá da natureza
E uma justiça maior da Lei Divina!

8 - UM RIO DE SAUDADE
Autor: Adão Quevedo
Declamador: Jadir Oliveira
Amadrinhador: Adão Quevedo

Minha visão é tão clara
quando recordo de ti,
fisgando algum lambari
num caniço de taquara.
Parece que o tempo pára!!!
Vejo os teus cabelos brancos
refletidos nos remansos
e cada ruga do rosto...
Fincaste ali o teu posto,
no mesmo antigo barranco.

Hoje, o rio Uruguai
ainda é o mesmo rio,
só um pouco mais sombrio
sem tua presença, meu pai...
Meu pensamento se vai
nas picadas, de lampião,
varando a escuridão
que me arremessa a infância
numa linha de esperança
iscada de solidão.

A vida passa chispada
feito um tufão de vento,
de lá do fundo do tempo
vem tua silhueta, postada,
reboleando uma chumbada
de esperança e incerteza,
pois quem conhece a pobreza
e a inconstância do rio,
sabe que o anzol vazio
é um prato triste na mesa.

O nosso velho galpão
guarda ainda os teus avios,
o rio é o mesmo rio:
A mesma linha de mão,
só mudou meu coração
e os meus olhos trincados...
Eu devia ter pescado
a vida inteira contigo,
meu velho pai e amigo...
– Eu devia ter ficado –.

Rio das pedras centenárias,
com suas lendas ocultas,
seguem rolando, avulsas,
tempo a fora, viageiras,
misteriosas, mensageiras
do que só a alma escuta...
Porque toda pedra bruta
guarda segredo de nós,
nem o rio e sua foz
sabem que a pedra transmuta.

Rio da vida, rio da entrega
dos meus sonhos afogados,
das piavas, dos dourados,
alagando tantas léguas...
Das tuas enchentes, sem trégua
e teus estios de miséria,
carregando em tua artéria
a dependência da chuva
e o pranto das viúvas
rezando nas intempéries.

Hoje volto já tordilho
para dizer que o teu neto
não terá o teu afeto...
Porém eu, que sou teu filho,
vou mostrar-lhe o mesmo trilho
de homem simples, sereno,
pois, mesmo sendo pequeno,
há de herdar a confiança
que me deste, ainda criança,
de achar meu rumo a remo.

A vida é uma canoa
que desce o rio e não volta...
Quando a corda se solta,
a alma navega, à toa,
ao livre arbítrio da proa,
neste destino costeiro
de ser livre e prisioneiro
de um rio que nunca foi meu...
Ah...Eu sim, sempre fui teu...
– Feito as águas... Passageiro –.

9 - UM VELHO TAURA, RECÉM-NASCIDO
Autor: Caine Teixeira Garcia
Declamador: Jair Silveira
Amadrinhador: Zulmar Benitez

Voltei...
...me aguarda a tolderia de um poncho!
De suas baetas escorrerão penas
Que hei de colher nesta vida,
Além das que já trago comigo
E que carrego, com gosto!

Tinha saudades desta terra!
... do fogo grande no galpão
Dos pingos e dos cavaletes
Encilhas pra lida - ou mansidão...
Do minuano, pulseando a quincha,
Dum sangrador atiçando a brasa
E dum grito de “ô de casa!”
Campeando prosa e chimarrão...

... exalam nostalgias pelo cheiro
Que brota, ao parir-se um luzeiro
No querosene dum lampião...

Eu quero saber dos meus
- dos de ontem e dos de agora!
Muito se esvai entre os dedos
Depois que uma vida se atora...
Ah... e o universo se demora
Até que tenhamos o alento
De enforquilhar novo tempo
Saciando a fome da espora!

Voltei...
...para estes campos dobrados
E para o rigor das estradas...
Para os mates madrugueiros
E pra o buçal na mão canhota,
Num grito de “forma cavalo”!

Tinha saudades deste mundo!
Do pingo, pras pernas cambotas...
E, de a grito, laço e cachorro
Tirar um turuno das grotas!
São avoengas reminiscências
Dos aromas de sanga e de mato!
Sim... o meu destino, de fato
Teima em fazer mossa nas botas...

... renasço, pras horas mais brabas
Onde até mesmo, um índio taura,
Se facilita, do nada se descogota...

Eu quero saber dessas lidas!
- Trago as perícias de antanho!
Quero botar pealo em marcação
Ter nas estâncias, o meu ganho...
Repontar tropas por léguas,
Alambrar horizontes do pago...
Quero a botella do melhor trago
Pra tesoura firmar no rebanho!

Voltei...
... para a fronteira que é minha
Por peleia e descendência!
Voltei ao batismo dos rios,
Ao olhar sagrado das luas
E à velha boieira, madrinha...

Tinha saudades aqui de fora!
Da tava e de um baile de ramada
De “jogar a vida” numa aposta
Sem meio-termo: tudo ou nada!
Taurear na cancha, dobrar parada...
Torcer pra o osso na “viagem”
...num cambicho, pedir passagem
Arrematando em sorte clavada!

... quero voar em quatro patas
Pelas carreiras, fazer bravata,
E me garantir numa cuerada!

Eu quero saber dos rodeios!
Com miles de reses pampas...
Das velhas carretas gemedeiras
...da canha buena na guampa!
De trempe e cambona tisnadas,
Do charque pra um bom carreteiro
E de um antigo fogão campeiro
Forjando um “gaucho” e sua estampa!


Voltei...
... também preciso desatar uns nós,
Mesmo habitando outra matéria...
Ala pucha, que coisa bem séria
O poder que a nossa alma tem
De nunca, jamais, se findar no pó!

Tinha saudades do que sou!
... das cordas, trançando paciência
Quando o céu se faz lamento...
Saudades até, das artes de piazito
E, quando, mocito, manter tenência
Para aprender com os mais velhos
Sobre os costumes e mistérios
Que do campo, são a essência!

... pois bem...retorno ao seio familiar
Sabendo que há muito por trilhar
Nas vastidões de alma e querência!

Eu quero saber da simplicidade!
Quero libertar meu coração,
E seguir escrevendo minha história...
E um dia, quem sabe, ser poesia!
De norte a sul, na geografia
Destas sulinas paisagens,
Quero semear honra e verdade
Para a colheita eterna dos dias!

Voltei...
Como já havia voltado antes!
E sei que o campo me esperava,
Pois é meu parceiro, desde sempre.
Somos passado, futuro e presente
Tocando o Rio Grande por diante!

Tinha desejos de futuro!
...queria o aconchego de um ninho...
Vou repisar antigos rastros,
Buscar a firmeza nos passos
E campear novos caminhos...
Anseio por abraçar de novo
Toda a minha gente, o meu povo
...não quero andejar sozinho!

... um sonho: prenda, pingo e morada
Um perro bueno pras campereadas
E um herdeiro, que me saia “igualzinho”...

Eu sou semente, fruto e memória
Dos tempos dantes vividos...
Abençoa, meu Deus, essa jornada
E que me valha o tanto aprendido!
Que mesmo ao tranco da evolução,
A sabedoria possa estender a mão
A um velho taura, recém-nascido!

10 - VESTIDA DE PRENDA
Autor: José Luiz Flores Moró
Declamadora: Betina de Faria Hugo
Amadrinhador: Benhur da Costa

Vestido moldado na extirpe gaúcha,
Em mescla de bruxa e estampa monarca,
Eu trago um Rio Grande bordado entre as rendas
E a raça da prenda sem dono e nem marcas!

Vestida de prenda me sinto a mais bela,
Gaúcha singela... Bonita e bem guapa!
Pois trago no sangue que corre nas veias
Sinais de peleias nas lutas farrapas!

Na estampa de jovem carrego no peito
A forma e o jeito do pago de agora...
Gaúcha moderna da atual geração
Que tem tradição e costumes de outrora!

Vestida de prenda me torno a bandeira
Da diva guerreira e de um pampa seguro,
Herdeira da terra e de um tempo legado
Que alguém do passado me deu por futuro!

Vestido estampado entre cores e graça,
Que cheira fumaça de um fogo de chão,
Embala meus sonhos nos palcos modernos,
Mantendo os eternos sinais de galpão!

Um pouco de Anita, mesclada á Ana Terra
Em tempos de guerra e em dias de paz,
Dizendo às meninas que tem minha idade
Que fé e identidade é a gente quem faz!

Sorriso espontâneo da prenda criança,
Cabelos de tranças, ornadas de fita,
Mostrando aos de hoje que há, com certeza,
Sublime beleza em vestidos de chita!

Resgato esse pano de um elo perdido
Entre o antigo vestido e a nova mulher,
Mostrando, de prenda, um Rio Grande maior,
Que fica melhor quando a gente quiser!

A minha semente e meu pólen gaúcho
É o pano de luxo e o feitio do tecido
Que orna meu corpo de prenda criança,
E roda a esperança no céu do vestido!


Por isso minha alma de moça sulina
Que, embora menina, é pátria e legenda
Das novas mulheres que tem, por modelo,
A flor no cabelo e o vestido de prenda!


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