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22ª QUADRA - SETEMBRO DE 2017

 

1- A POESIA E A MILONGA
Autor: Érico Rodrigo Padilha
Declamador: Paula Daniele Stringhi
Amadrinhador: Benhur da Costa

As madrugadas alcançam as minhas rondas de insônia,
Perdi a soma das contas que já varei noite à dentro,
O mate quebra o silêncio desse ritual costumeiro,
Ouço um grilo seresteiro contraponteando a guitarra
E o verso rompe as amarras num milonguear galponeiro.

A noite é um templo sagrado com ares de nostalgia,
Traz uma intensa magia com sua luz branda e serena,
É palco de muitas cenas, inspirações, devaneios,
E o mais suave floreio nas cordas do meu violão,
Ganha sentido e razão pra libertar meus anseios.

A poesia me transporta e me faz ganhar o mundo,
Tudo muda num segundo, numa palavra, um gesto,
É a arte em seu manifesto, simplicidade e essência,
E a milonga é a cadência, o toque que traz a calma,
Unindo o corpo e a alma, louvando pátria e querência.

A poesia e a milonga são partes do mesmo ser,
Juntas, fazem transcender a inspiração do poeta:
-Carreiras em cancha reta, baile de rancho e ramada,
Revoluções, campereadas, peleias, causos de ronda,
Onde a poesia e a milonga andam sempre acolheradas.

Em tudo existe poesia, até no canto dos galos,
No relincho dos cavalos, no retoçar da potrada,
No latir da cachorrada, costeando as vacas de cria,
Nas noites de geada fria, no poncho que aquece a alma,
Numa milonga que acalma, e se transforma em poesia.
Poesia é cena de campo, tropa, tropeiro e boiada,
E a milonga é a própria estrada cortando várzea e coxilha,
É cheiro de maçanilha, perfume do meu rincão,
Poesia é o próprio galpão pra o descansar da peonada,
Milonga é tropa encerrada, carne, truco e chimarrão.

A poesia é a voz do campo, descrito com telurismo,
A milonga é o atavismo, é terra por descendência,
É a mais fiel procedência da nossa gente terrunha,
E a poesia é testemunha descende da mesma herança,
São tentos da mesma trança fundidos na mesma alcunha.

Não imagino poesia sem milonga no costado,
Neste universo sagrado de emoção e sentimento
Uma é o pilar, o sustento de uma cultura imortal,
A outra o toque ancestral, pátria, fronteira e furor,
Que encontrou seu parador, na poesia regional.

Por isso entoo milongas com ares de nostalgia,
Por isso escrevo poesia assoviando uma milonga,
E a noite que se prolonga toda enfeitada de lua,
Vem dormir nas cordas cruas dessa guitarra campeira
Pra despertar com a boieira numa milonga charrua.

A poesia e a milonga são as razões do poeta,
E a inspiração se completa num ponteio de guitarra,
Por isso é que nos amarra, um verso em noite de ronda,
E um dedilhar que se alonga nos enche a alma de luz,
E a poesia se traduz num bordonear de milonga.

2- O POETA DE RUA
Autor: Adão Quevedo
Declamador: Silvana Giovanini
Amadrinhador: Adão Quevedo e Virgínea Martins Mello

Morreu o velho Sobral... Que pena, que judiaria...
Nunca mais a poesia terá outro poeta igual.
Ele era o menestrel, dos mendigos, dos sem nada.
O que alma lhe ditava, nem precisava papel,
pois não sabia escrever... Decorava cada tema,
recitava os seus poemas pra cidade adormecer.
Diziam que era maluco, que não ligava pra vida,
pois dormia na avenida, embaixo do viaduto.


Pra ironia da cidade, com tanto rico sem nada,
o velho poeta juntava restos de felicidade...
Tinha tudo que sonhava, neste universo, tão pobre,
pois sua alma era nobre e a poesia lhe encantava.
O pouco que possuía, repartia com amigos,
nas marquises, nos abrigos, nos lugares onde ia,
pois acreditava em Deus, tinha fé, tinha ternura...
A palavra desventura, ele nunca compreendeu.


Catava restos de lixo, nas ruas dos desenganos,
perdeu a conta dos anos... Meio humano, meio bicho...
Numa cama de papelão e um céu de estrelas, só seu...
Foi assim que ele morreu, tapado de solidão.
Quem sabe, Nosso Senhor, pediu que ele ensinasse,
pra todo aquele que nasce, em berço de esplendor,
que o dom da poesia, não precisa ensinamento...
Basta alma e sentimento e as estrelas como guia.

Como pode alguém tão puro, um ser repleto de luz,
carregar a sua cruz, por caminho tão escuro?
Quem pode enxergar, por dentro, o mistério escondido
da alma de alguém vestido com retalhos e remendos!!!
Ser feliz à sua maneira, recitando poesia,
por entre as latas vazias, no calvário das lixeiras?
Neste mundo de aparências, neste mundo de ilusão,
carregar no coração, o que nos falta, na essência.

Vivia regando as dores, nos jardins, por entre as grades
das mansões de quem não sabe sentir a alma das flores...
Cultivadas por vaidade, pra servir de ostentação...
Numa falsa ilusão de fingir felicidade...
Poeta dos vendavais, catador de sentimentos,
sabia benzer o tempo e prever os temporais...
Só não sabia o coitado, que o mundo é indiferente
e os insensíveis só entendem a vida, depois da morte.

Se foi o velho Sobral... Era um poeta de rua...
Que fez da prata da lua... Seu derradeiro lençol.

3- O ENCONTRO
Autor: Adão Pedro Bernardes
Declamador: Jadir Oliveira
Amadrinhador: Henrique Fernandes

Esta noite te esperei
mas que doce e longa espera
já deixou de ser tapera
meu coração eu bem sei
aqui, mil sonhos sonhei
na busca desse momento
te escutei na voz do vento
e dele tive ciúme
pois me trouxe teu perfume
que envolveu meu pensamento.

Na fragrância identifico
e antevejo teu abraço
te adonas do meu espaço
e mais ansioso ainda fico
por um beijo teu suplico
tão frágil me desprotejo
e dominado me vejo
diante da tua imagem
como um naufrago sem margem
num turbilhão de desejo.

Após a espera ansiosa
teu chegar identifico
sensação que não explico
te achegas toda dengosa
e sem um dedo de prosa
teu corpo inteiro eu desnudo
e nesse dialeto mudo
sussurrando em voz silente
sentindo teu beijo quente
sou teu acima de tudo.

Faço do meu, o teu ninho
entre calor, medo e frio
te vejo fêmea no cio
implorando por carinho
não tem volta esse caminho
é amor pleno de fato
na volúpia me arrebato
gemidos em vários tons
lençóis, fronhas e edredons
testemunhando esse ato.

Que bom se o tempo parasse
fosse noite sem aurora
que a lua não fosse embora
brilhasse sempre em tua face
sem aurora o sol não nasce
e o dia não vai raiar
se o tempo se perpetuar
na noite sem arrebol
vou substituir o sol
pela luz do teu olhar.

Vou viver intensamente
esse momento sagrado
nesse beijo apaixonado
sedutor e envolvente
percebo assim de repente,
a vida é curta e passageira
e o amor não tem fronteira
fazendo que eu me convença
que uma paixão tão intensa

vale mais que a vida inteira.

4 - O LOBO
Autor: Rodrigo Bauer
Declamador: Pedro Junior Lemos da Fontoura
Amadrinhador: Geraldo Trindade e Nilton Junior

I
O lobo que há em mim está dormindo,
mas tem ouvidos bons e sono leve!
Espreita, pelas sombras, quem se atreve
a entrar em seus domínios, insurgindo

o olhar de fera oculta! Pressentindo
o ataque inesperado, então, se inscreve
no instante, embora trágico, tão breve
que vem da Era do Gelo, evoluindo!

Há um lobo no meu sangue, nos meus ossos...
Um velho predador e seus destroços,
butim que já faz parte do guerreiro!

Desvencilhar-me dele, eu já não posso!
Assim, tudo o que é meu, conto por nosso...
Embora nunca sei seu paradeiro!

II
O lobo que há em mim é sorrateiro...
Nem mesmo eu o conheço ou intimido!
O instinto que lhe acorda é incontido
e o tempo em que me habita é passageiro!

É um lobo que me toma, por inteiro...
Que passa, em grande parte, suprimido;
e ecoa, no meu corpo, o seu gemido,
de lobo, envolto em pele de cordeiro!

Num súbito repente, em aspereza,
traz fogo aos olhos, mostra as suas presas
que rasgam, dilaceram, trucidando...

E, embora, eu o renegue, com certeza,
eu sei que voltará, das profundezas,
eu só não sei porque, nem onde ou quando!

III

O lobo que há em mim, vive espreitando...
Selvagem, não se mostra ou anuncia...
Tem vez que a própria alma se arrepia
ao ver sua presença se chegando!

Então ele me assume, sem comando!
Meus dedos viram garras que ele afia
e toda a ira que, antes, reprimia
escapa dos confins que fui cercando...

Pra onde ele se vai depois que cansa?
Não sei, tampouco guardo na lembrança...
De onde vem, nem mesmo, eu tenho ideia!

Será só um que vem, desde criança?
Um lobo só, um dia a vida amansa!
Talvez exista em mim, uma alcateia!

5 - NO FIM... A POESIA
Autor: Henrique Fernandes
Declamador: Sirmar Antunes
Amadrinhador: Nina Fola e Professor Massaretti

CANTATA:
Se eu não sei onde ir
Não vou a lugar algum
Peço a benção aos Orixás,
Rogo graças a Oxum...
... na batida do tambor
Num galope vem Ogum.

Preto véio me falou
No terreiro de Sinhá:
“meu fio tome cuidado
C´o que ele pede a Oxalá,
Se ele escutá teu pedido
Pode a cobra te pica.”


Planto versos, planto sonhos,
Na terra fértil que compõe a argamassa da esperança,
Dos que andejam desabrigados de luz
E que a sombra desnuda de paz,
Desnorteia as nebulosas intuições dos passos indecisos,
Mas precisos de inconclusos caminhos.

Por isso planto versos e sonhos,
Colhendo luas e auroras nos olhos da crença preciosa
Que mantém de pé a fé que balança, verga, geme
E clama na dor, mas não precipita.

O canto dos sonhos em versos tristonhos
Calando a sangria estancada num nó.
Emendo e remendo, costuro e suturo a pele com a pele,
A carne com a carne, a alma com o espírito...
... seguro inseguro a ampulheta que ansiosa
goteja saudosa suas lágrimas arenosas em cegas vertigens.
Sem carmas nem nervos, desprovida de sentidos
Que embala as emoções, respinga o passo do tempo
Que passa mas volta, voltando a passar.

CANTATA:

Iansã ó Mãe do Vento.
Iemanjá ó Mãe do Mar...
... canto os quatro elementos
pro fogo não me queimar.
da terra tiro o sustento
pra “mia” fome eu sacia.

Piso a terra, piso a areia,
piso a pedra e o capim.
Só não piso o broto humano
pra ninguém pisar em mim...
... mas quando piso na água
da vida não acho o fim.


Não olho pra baixo, mas quando olho,
percebo que a terra é a placenta e a cova
onde enfim igualmente seremos iguais
das desiguais igualdades que nos iguala no pó.

Não levo moedas para o velho Caronte,
que espera silente o cortejo final,
mas um baú de poesias que nem as águas do Lete o farão esquecer...
... e talvez ao ofício, retorne garimpando palavras no lugar das moedas
e improvise uma prosa ressurgida dum verso no leito do rio.
Sim, até Caronte implorará por poesias, versos e rimas...
... e quem calado , da pausa infinita que o verbo separa oferta-lhe o silêncio
ainda assim seguirás sem moedas cobrar,
pois, até o silêncio do improviso prudente é o ouro da paz.


CANTATA:
Barqueiro não me espere.
Vou ficar no meu terreiro.
Não tenho duas moedas,
pra cruzar o rio inteiro,
se aceitar minha poesia
então me sobra dinheiro.

E depois do Estige, invulnerável a tudo mas vulnerou o Aquiles
que também embarcou, cruzarei Aqueronte deixando meus sonhos
que nunca puderam alcançar seu lugar...
... seguirei o Cocito, deixando os lamentos
congelados nas traições das quatro esferas do mau.
Para no Flegetonte, afogar no fogo que forja
o vale fervente das ânsias valentes
que impertinentes me deram vazão para chorar.

É o elemento que arde na brasa apagada por outro elemento
embargado na pele escorrendo em suor,
que encharca prazer na insistência do vento que insiste soprar.
Graça dou pela desgraça
que já não achou mais graça da minha graça impedir,
cansada pela indiferença do choro que não chorei,
logo então me levantei erguendo os olhos
na mais suave frequência de aceitação e sossego,
embandeirando no mastro a branca bandeira
das asas que me deram asas para voar.

Voltarei a ser nascente de água corrente,
do olho da terra, cacimba pro mar.

6 - ALMAS ANTIGAS
Autor: Jadir Oliveira
Declamador: Silvana Andrade
Amadrinhador: Henrique Fernandes

Quando me recosto sorvendo um amargo
andejo lonjuras, sem sair do galpão...

Meus olhos de campo se viram pra dentro,
se alongam mirando pra o fundo de mim,
vão se dando conta que o mundo é uma onda,
que avança e recua no tempo que ronda
e os homens são almas que cruzam a história,
buscando motivos de serem assim...

E tudo que é novo reflete o antigo...

Antigo era o tempo “adonde” eu vivi
e este tempo antigo também vive em mim...
Nas coisas que canto, que sinto e que vejo
o tempo é o mais sábio entre tantos andejos,
que finge que passa mas nunca tem fim...

E os homens antigos que são deste tempo
Imitam os quadros, que a parede guardou...
Tal meu velho e sábio bisavô de campo
talvez um retrato daquilo que eu sou...

Antigas orquídeas nas velhas varandas
E a moça sonhando na mesma janela.
Antigo é o moço num florão de pingo,
quebrando o silêncio que emponcha o domingo,
um cego tateando a luz dos olhos dela.

E os bailes antigos que encantam meu pago
de candeeiro, violão, pandeiro e cordeona,
Antigas são as vozes destes cantadores
que contam romances de antigos amores
e versejam saudades quando vem à tona.

Meus olhos de hoje com brilho de ontem
refletem silentes a estrada onde andou,
num corpo de hoje que oferta morada
à uma alma curtida de longa jornada
que aos golpes do tempo foi sendo forjada
tão rara e antiga que não se dobrou.

As almas antigas estão entre a gente
e se reconhecem no jeito de olhar...
As almas antigas conhecem do tempo
segredos guardados no ser e falar.

As almas antigas são Homens pacatos
De gestos suaves e semblantes serenos
As almas antigas são Mulheres sábias
Que ainda embalam seus filhos pequenos.

E os filhos que nascem das almas antigas
por vezes são almas mais velhas que os pais...
Outra vez o tempo e seu grande mistério
que une os de hoje aos seus ancestrais.

As almas antigas conhecem estradas
Cruzaram caminhos fizeram a história...
Cometeram erros e acertos na vida
e gravaram tudo em sua memória.

Sentiram na carne prazeres e dores
Juntando experiências em cada caminho
E assim aprenderam a serem gregários,
pois a estrada é longa e os dias precários,
e a vida judia quem anda sozinho.

Sirvo mais um mate olhando o braseiro
E sigo por horas apartado de mim...
Viajo de volta ao fundo do tempo
Buscando outras almas que vêm de onde eu vim.


E aos poucos entendo esta volta que o tempo
reparte em ciclos de ir e voltar
Por certo, este mundo que a todos abriga
vai purificando as nossas feridas
lapidando aos poucos estas almas antigas
até que se tornem tão velhas e amigas
no rumo que aponta, para o mesmo lugar.

7- ROMANCE DE UM DESPEONADO
Autor: Sebastião Teixeira Correa
Declamador: Luiz Henrique Fontana
Amadrinhador: Willian Andrade

Ao despeonar-se, Juvêncio, juntou as tralhas que tinha,
Poucas relíquias guardadas numa vida de ilusão:
Aperos de montaria, facas de aço, forjadas,
Cordas campeiras, trançadas, pra lidar com redomão

Mango com cabo de prata; as nazarenas de doma,
Par de estribos de campana, tirador, laço e sovéu,
As boleadeiras talhadas no aço da pedra moura,
O barbicacho de couro pra segurar o chapéu

Guaiaca de couro cru, coldre e tarca pendurados,
Lenços branco ou colorado, conforme fosse a ocasião,
Bombacha larga, de favos, cosida por costureira,
Uma guitarra campeira pras horas de solidão

Na cabeça do arreio, um antigo boiadeiro,
Luzia o brilho da prata como a chama de um candeeiro,
Num capricho que pra ele era uma marca e entono;
Na cabeçada do freio um florão que era um luzeiro
E na peiteira um sendeiro, bem ao estilo do dono

Ademais, alguns tarecos e cousas sem fundamento
Que por algum sentimento nunca quis se desfazer:
Avios de mate, judiados; o velho cantil de guampa,
A tesoura de tosquia, um isqueiro “tira fogo”,
Ossos surrados pro jogo que o fez ganhar e perder

Isso era tudo o que tinha por fortuna e capital,
Uma vida de trabalho na dura lida da estância
Rendeu-lhe pouco ao final:
Restou-lhe um corpo judiado do brabo ofício de campo,
Marcas profundas no rosto, dores que nunca passavam,
Sempre que o tempo se armava parecia que voltavam
As fortes dores dos tombos, pelas juntas e calombos...
...Eram marcas que restavam

E tinha marcas na alma,
Agudas pontas de lanças transpassando o coração.
Alguns amores perdidos no longe da mocidade,
Aquela prenda trigueira que enveredou pra cidade
E nunca mais regressou;
Os olhos de guabijus e o belo corpo moreno,
Nos seus lábios o sereno do beijo que ela deixou


Alguns sonhos que o destino não lhe deixou que sonhasse,
Os carinhos que comprou jamais lhe deram família;
Os romances de ocasião em catres improvisados
Deixaram apenas saudades, ( nunca foram verdadeiros),
Custou-lhe vida e dinheiro a troco de falsidades


E agora chega a notícia que o patrão arrendou a estância
Onde Juvêncio cresceu;
Até o campo dos fundos também vai virar lavoura,
Onde Juvêncio patieiro e depois, peão caseiro,
De posteiro envelheceu


Quando a noite, em seu mutismo, emponcha o campo
E o orvalho pinga na beira do rancho,
Juvêncio ceva um amargo e dá vazão às lembranças
De sua vida na estância que o fez um homem campeiro,
E não compreende os motivos da decisão do patrão


Aquele mundo da estância era o mundo do Juvêncio:
As caseiras das mulitas,
O banhadal onde o sorro passava o dia escondido,
De onde arrastou muitas rezes presas nos “ôlho de boi”


Os caponetes sombreados, onde as lebres descansavam
E as aves teciam ninhos pras manhãs de primavera;
Na coxilha verdejante a exuberância dos pastos,
E a vida fazendo graça no retoço da potrada;
A terneirada viçosa num início de verão,
Eram os olhos do patrão de pupilas dilatadas

E agora vai o Juvêncio campear rumos nas estradas,
Os corredores são lares para tantos desgarrados,
A força bruta dos braços pra golpear um redomão
De há muito tempo mermou;
No povo a sorte é madrasta e quando chega um campeiro
Vai ter que achar um saleiro e lamber o sal que restou


Um a um os seus pertences passarão a mãos alheias,
Desde a tesoura de esquilas ao laço de doze braças,
E todas as tralhas que um dia por capricho ele guardou;
Tudo o que fez pela vida tornou-se sem importância,
Porque sua vida era a estância que o seu patrão arrendou


Muito em breve aquilo tudo vai virar terra arrasada,
E mais um campo nativo será lavoura plantada;
Chegarão cargas enormes de sementes e pesticidas,
É o homem achando desculpas pra matar milhões de vidas


Reinará a monocultura, produto pra exportações,
E faltará pão na mesa do Juvêncio e dos peões
Que se juntavam em tropeadas, fazendo ponta e fiador,
E agora, changas sobradas, disfarçando mágoa e dor


Que Deus, que tudo observa e faz valer a Providência,
Em sua benevolência possa amparar o Juvêncio;
Que a Virgem Nossa senhora, a Santa Mãe de Jesus,
Trace um caminho de luz ao filho desamparado,
Estenda o manto sagrado e abra as contas do rosário,
Pra aliviar o calvário e o peso da sua cruz!

8 - REMORSOS
Autor: Caine Teixeira Garcia
Declamador: Jair Silveira
Amadrinhador: Zulmar Benitez

Ressona a estância...
Meus devaneios, não!
Sobrevivo assim, num purgatório reflexivo...
Travo embates - em meus adentros
Desolado que chego,
Flertando com o fim...
Alma arraigada num ontem - tão perto
Despertam desejos
E ânsias peregrinas
De transcender as surreais metáforas
Pelas veias poéticas
Que correm em mim!

Os pensamentos
Ludibriam consensos
Olvidando-se às triviais narrativas...
Mente e coração unidos e ávidos,
Sangrando vida - e tempo -
Pela tez do papel...
Memórias enamoram-se ao novo
Silêncio que fala - e grita -
Em versos!
Temporal de intempestiva criação
Onde não há limites
Entre terra e céu!

Dos mates lavados
Em noites insones,
Sorvo incertezas num pensar insólito!
Dou labuta à pena, escravizado em penas
Que colhi à soga
Desses meus momentos...
Das taperas que cruzei - e plantei - na vida
Soube dos vazios
E suas plenitudes...
Mágico encanto, em bocas de quietudes
A sussurrar segredos,
Pela voz do tempo!
Derradeiros dias,
Em que me paro inquieto
Engolindo em seco, o sal do meu olhar...
É rumo indefinido, o de semear saudades
Pelas horas mudas
Desse meu destino...
Ferindo o escuro, a lua incandescente
Traz o seu afago
Nesse imenso breu...
Há uma solitude, que me vigia e sabe
As dores da verdade
Dos meus desatinos!

Crepita o fogo,
Nos desvarios do inverno...
Em puros cernes, antes sombras grandes
Fulguram chamas, bailarinas nuas,
Descompassadas... belas...
A encantar o Minuano!
A cambona resmunga pela madrugada
Maldizendo o agosto
E desafiando o frio...
Pulsa meu peito - ah, vida desalmada -
És lâmina afiada
A retalhar meus planos!

Vou repisando rastros
Das folhas em branco
Emprenhando linhas, parindo poemas...
Tropilhas de picumãs disparam à quincha
Alçadas... e atávicas...
Enlutando o galpão...
Mania que tenho, a de manter rituais
.de falar com os cuscos
.e de matear solito!
Sou refém do incerto - e do indecifrável -
E do potro indomável
Da inspiração!

Tal qual as lenhas,
A vida em astilhas...
Partida em anos, que envergam sonhos...
Tarca inclemente, a que afere a idade!
Não oferta pausas
Jamais erra a conta...
Que o diga, o bravo cinamomo grande
Alvo de minha inveja
Em seu ocaso heroico:
Resiste em pé, se entregando aos poucos
tempo que soma
Também nos desconta!

A estância dorme...
Mas minhas cismas, não!
Nas horas ermas, me invade a poesia
E já de há muito que é mesmo assim..
Me extravia o sono
E me põe arreios...
Tira-me as baldas e cansa cavalo
Bem no seu trote...
Sempre ao seu jeito...
Antigo feitiço, que me aprisiona e salva,
Que me completa
E me parte ao meio!

O arado dos dias
Me fustiga o corpo!
E a pelagem moura evidencia a sina
De desgastar matéria e aprimorar o espírito...
Serei eu mesmo
O meu infinito?
Bato o tição, no afã de avivar as brasas
E a madrugada
Me beija em tons de cinza...
A boieira aos poucos, negaceia o brilho
E parte, sem apego
As dores que sinto!

Habitam remorsos
No sonhador recluso!
Repleto de ausências, lamento as escolhas
Na solidão da estância, que silente, dorme...
• .e mesmo em pedaços
Ainda estou aqui...
Se vida e morte são avessos, cada fim é um recomeço...
E até mesmo o covarde
Tem direito a perdão!
Me aceitem dilacerado.., pois, entre o certo e o errado,
Que atire a primeira pedra
Quem nunca fugiu de si!

9 - LÍRICA
Autor: Carlos Omar Villela Gomes
Declamador: Giovani Primieri
Amadrinhador: Geraldo Trindade

I
Um mundo de silêncio e pedra bruta
Jazia sob as nuvens carregadas;
No sangue, que verteu de tantas lutas...
Na terra, com suas fontes esgotadas.

As almas não queriam mais os corpos,
Os corpos rastejavam nas estradas...
E o grande vendaval dos sonhos mortos
Varria o que restou das alvoradas.

O pampa tinha o mundo nos seus ombros,
Seus filhos vasculhavam os escombros
Plantados pelos deuses da mentira.

E quando o céu caía, rumo ao nada,
Do fundo de uma terra devastada,
Surgiu, feito oração, a voz da Lira!

II
A Lira sussurrou sons de esperança,
E viu o amor, por trás das faces duras;
E areias de furor e intolerância
Tornaram-se castelos de ternura!

A Lira retumbou seu canto agreste,
Pulsou nos corações enregelados;
E o mundo, soterrado em tantas pestes,
Voltou de seus porões, ressuscitado!

Assim, a Lira impôs a sua dança...
As almas, esmagadas por ganância,
Voltaram a ver Deus além do abismo.

E a terra, que chorava tantas covas,
Tornou a suspirar suas boas novas
Na força inquebrantável do lirismo!


III

É lírica esta flor que desafia
A lógica das terras devastadas;
A fé, que alimenta de poesia
A fome dessas almas retalhadas.

O riso da criança, que ainda brinca,
Semeando paz na mãe desesperada;
Espelhos de uma essência que não trinca,
Quais sejam os motivos e pedradas.

O pampa renasceu, sorriu de novo,
Pintando a flor do mundo, a flor do povo,
Mostrando que a ternura vence a ira.

No fundo de uma terra devastada,
O homem derreteu suas espadas
E a pena eternizou a voz da Lira!

10 - MEU GALPÃO AO MEIO DIA
Autor: Mateus Neves da Fontoura
Declamador: Francisco Azambuja
Amadrinhador: Clênio Bibiano da Rosa

Mansas corujas descansam
Nos cernes dos contramestres
E as horas até que parecem
Se espreguiçarem pacholas
Quando as cigarras manhosas
Orquestrando nostalgia
Anunciam meio-dia
À sonolência dos catres

Um fogo quase apagado
Fumaceia o galpão quieto...
Os cavaletes imitam
Tropilhas de bem domados
E escoram arreios suados
Da lida findada há pouco...
Que o couro cru sobre um toco
Ficou por ser desquinado...

Guarda a chaleira de ferro,
A trempe, sobre o borralho,
Tisnada a muito trabalho
De fogo e de labareda
Que pintou de negra seda,
Bruxoleando picumãs,
As paredes da manhã
Que dão o tom desta cena...

O laço dorme em rodilhas
Na suspensão das armadas
E um rádio fala por nada
Chiando e gastando pilha
Noticia que a família
Do seu Valêncio Trindade
Convida toda a irmandade
Pra missa de 7 dias...

Um par de botas num canto
Aguarda o outro de esporas
Pra cantilena sonora
De roseta e papagaio
E o velho cachorro baio
Se coçando incomodado
Se vira e troca de lado
Que pulga tem de balaio!

O cheiro do criolin
Mesclado a arreio e fumaça
Parece até que abraça
A atmosfera na ocasião...
Pairam inertes nesse chão
Inconfundíveis lembranças
Que aprendemos desde criança,
Qual o cheiro de um galpão!

Um par de rédeas balança
Pendurado com o bocal...
Mango, látegos, buçal
Cabresto e um bom maneador...
Cada qual com seu valor
E serventia campeira
E o suor das barrigueiras
Vai aliviando o calor...

A cuia jaz escorada,
Entre a parede e um banco,
E a erva já sem barranco
Lembra que o mate cevado
Quedou-se há pouco lavado
Na comunhão dos campeiros:
Que os rituais galponeiros
Conservam um quê de sagrado!


A sesta vai a lo largo
Da paisanada na estância
E até as vacas mansas
Na sombra das Sina-sinas
Parecem ter nas retinas
Um tempo antigo em remanso...
E a contemplar não me canso
O que o galpão me ensina.

Vai muito além do silêncio
Vai muito além da estampa
Meu galpão, marco de pampa,
Fortim de alma e poesia
É a essência que irradia
O próprio campo estrivado
Declama versos, calado,
Meu galpão ao meio dia.

E até o pelego branco
Num cepo de corunilha
Lembra a herança caudilha
De um tempo que não se apaga
Porque revive na adaga
Que descansa sobre a lã
A esperar um amanhã
Pra desembainhar uma paga...

Que a garrucha é testemunha
Do que a adaga serviu
Nos tempos que tinha fio
E a bainha era adereço...
E todo o fim é o começo
Pelos meus olhos inquietos
Ao desvendar alfabetos
De escritas que não tem preço.

Por isso que não sesteio
E nem me entrego pro sono...
Meus olhos guardam o outono,
Guardam verões e invernias
Pois aprenderam manias
Nas primaveras do meu freio
Traz poesias no esteio
Meu galpão ao meio dia!



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