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24ª QUADRA - SETEMBRO DE 2019

 




1) Gaúcho de fato, e me vou
Autor: Guilherme Suman
Declamador: Guilherme Suman
Amadrinhador: Raphael Madruga


(I)
Gaúcho apenas, num fundo de mundo,
Num pátio de pátria ao sul que há no sul.
Num naco de pampa, um longe que há,
que até Deus bendito, por velho e caduco,
Perdeu-se do ofíciode, então, vigiar.
Um lenço sangradovazado no peito
Na cor maragata, e um par de alpargata
proseando com o piso na sola cansada
Que fala de tudo em colóquio co' chão.
Abarba afrontosapor si negaceia
As tais vaidades; E lança a verdade
Que dói e não sara,vivendo na cara,
Morando sincera em cada expressão.
Bombacha de listra judiada dos anos,
fundilhos puídos de favos singelos,
botões em remendo e panos de emendo
Preserva-me tanto o cós já surrado.
chapéu tapeado,pralana alquebrado
Quinchando a cabeça tão cheia de idéia.
São estas as vestes que ostento sem luxo,
E aqui eis gaúcho, teimando em vingar.
(II)
Eu fujo, de vez.talvez, por acaso,
Em goles que trago de forma muy longa
Ardendo a água, quentura do mate,
que desce a rampa raspando na goela
Enquanto flutuo ouvindo milongas!
Aqui eu me encontro;gaúcho do mundo
Restrito à porteira num canto sem mapa,
Em que até os satélites,de certo,ignoram
negando a existência dum resto de chão
De nomeQuerência, pedaço de mundo
Que eu chamo de lar!
No meu galpãozito de toscas paredes
Com prego de zinco, que tem costaneiras
Não envernizadas, me quedo pensando
Em filosofias enquanto mergulho
Nas ondas sonoras mudando a estação.
Eu giro o botão do corpo do rádio,
Que agora, de perto, me faz um costado.
Que agora, de perto, me faz um costado.
(III)
E saltam botando mil vozes da caixa:
Há falsos profetas em cultos por cifra,
Enão se decifra se crêem, de fato,
Nas bênçãos de um Deus.
E até Jesus Cristo se torna modelo
Em mil propagandas.
A fé já não vinga, e, pior do que isso,
Desgasta seu viço enquanto desanda.
E vai-se o radinho cuspindo os verbos,
Estorias tristonhas de campos judiados
Por vis pesticidas.
Parece outro mundo que há noutra vida...
Eum tal de Oriente vê mísseis rebeldes
Saltando em corcovos, pisando as pessoas
Iguais as formigas.
E os poderosos? Sentados no ouro
Alheios à crítica,Fazendo política,
Corrompem enredosem meio a gritedo,
Mentiras e vaias...
Enquanto crianças, clamando futuro,
Mergulham no escuro, morrendo inseguros
na beira da praia.
(IV)
E aí é que vem um comercial
Vendendo de tudo,é um talescambau
De futilidades. Denúncia de tiro,
Doutores omissos,Barbáries imensas
Que tornam a pele blindada aos efeitos
De seus arrepios.
Não há empatia,não há poesia,
Não há rebeldiana gente do rádio.
(V)
Respiro tão fundo,fugindo pro mate,
Travando combates com as próprias ideias.
E noto, de pronto, que o mundo mudou.
Porém, faço frente na dura insistência
E viro Querência pela contramão,
No passo trocado, buscando luzernas
Na escuridão.
E sigo gaúcho, Assim que me faço,
Se morro, renasço Gaúcho, de fato,
E me vou!

2) Eu e o meu tambor
Autores: Carlos Omar V. Gomes e Bianca Bergmam
Declamadora: Barbara Bitencourt
Amadrinhador: Geraldo Trindade


“ Abrindo nossos trabalhos
Pedimos a proteção
Ao nosso Pai Oxalá
Para cumprir nossa missão.”


Retumbam em meus ouvidos
Sons de tambores de fogo;
Cantarolar de tormentas
E naturezas no cio.
Um versejar, feito prece
Vindo de luas sagradas,
A aprisionar labaredas
Dentro de algum calafrio.


E de repente o nada...
A palidez da saudade,
Uma verdade desnuda,
Um silenciar sonolento
E o sangue correndo lento
Rumo a algum canto de mim.


Somos eu e o meu tambor
Num universo sem fim.


“ Estou sentado na beira da praia,
A lua veio pra me iluminar;
Não vejo meu rastro na areia,
Nem mesmo sinto a brisa passar,
Pois o meu pensamento está
Em um barquinho, em alto mar,
Rezando para a minha mãe Iemanjá.”


E de repente o eco...
Vozes ecoam ao longe,
Vão se achegando de leve...
Sinto um carinho de vento,
Os sons se tornam mais densos;
Os olhos fecham mais forte!
É outro tempo surgindo
E outra vida a falar.


Sou eu, mas não sou mais eu!


Sim... os pés ainda são meus,
As mãos ainda são minhas,
São minhas saias que rodam
Quando me vejo a rodar...
Sou eu, mas não sou mais eu!
A voz ainda é a minha,
Mas as palavras que falo
Já não sou eu que profiro,
Pois só repasso este eco
Das vozes que estão no ar!


Somos eu, o meu tambor e por certo algo maior!
Algo maior que o visível, algo melhor que o tangível,
Algo mais puro que eu!
Somos eu e o meu tambor levando bênçãos de amor
A tantas almas sem Deus!


“Caô, Xangô na pedreira,
Se apronte pra trabalhar...
Obá está na cachoeira,
Iansã mandou chamar
E Oxum está lhe esperando, meu pai,
Aqui neste Congá.”


Agora sou instrumento de energias que depuram...
De sentimentos que curam, de visões pra muito além!
Agora sou um canal, um guerreiro espiritual
Que faz a força do mal se ajoelhar perante o bem!


Somos eu e o meu tambor... minha fé e mais ninguém...


Aos poucos vem se achegando pessoas desesperadas
Procurando algum alento pra suas almas cansadas;
Um velho buscando vida, um moço campeando luz,
E tantas gentes pedindo pra quem nos mira da cruz.


Toda a força do invisível chega às pessoas por mim,
Sou instrumento de um sonho, sou o meio de um ritual;
As mensagens são passadas, o momento chega ao fim,
Junto às almas comovidas pelo amor universal!


Somos eu e o meu tambor... minha fé e mais ninguém...
Fora o resto do mundo, que também se comoveu;
Meu tambor dita o compasso do instrumento que sou...
Instrumento de repasse das verdades do meu Deus!


Somos eu e o meu tambor semeando o amor de Deus!!


“Encerrando nossos trabalhos
Pedimos a proteção
Ao nosso Pai Oxalá
Por cumprir nossa missão.”

3) Porteira chora pra o vento
Autor: Matheus Costa
Declamador: Jadir Oliveira
Amadrinhador: Matheus Costa


Porteira chora pra o vento,
assim como a sanga clara
conduz seu lerdo lamento
aos pedregulhos ribeiros…
Igual ao raio primeiro
de um mormaço recém vindo,
que mal clareia ou esquenta
toda geada branquicenta
da madrugada esvaída
que - ladina - está partindo!


Porteira chora pra o vento,
assim como os touros berram
cortando invernadas largas
e lonjuras de além vista.
Murmurando as solidões
destes campos desparelhos,
onde os silêncios renascem
ante as vozes dos rincões!


Chora a tranca da cancela,
soluçando na ferrugem
tantas cismas de abandono!
- Porteira que não tem dono,
só divide o campo alheio…
Quão pesado é teu receio?
Quão antiga é tua vontade
de beber da liberdade
que mil outros estão cheios?


Tropas roçando-te o pêlo,
chuva escorrendo-te inteira…
E os olhos destas distâncias
te cuidam, sob o desprezo
da tão comum existência
de semelhantes porteiras,
que choram - a vida inteira -
aos ouvidos da querência!


Porteira chora pra o vento,
bem como a china tristonha
reluta um amor perdido
na ferida da lembrança!
É um lamúrio de criança
minguando a fome e o frio,
num incansável vazio
sem saída ou esperança!


E o vento - sempre paciente -
penteando as macegas ralas
e os pastos dos banhadais,
atiça a dança insistente
da porteira quase aberta...


Ora indo, quase muda…
Ora voltando, calada…
Mas, repetindo a jornada
neste doído compasso,
vai perdendo seus pedaços
- madeira, casca e vaidade -
E chora, enfim, a saudade
a pobreza e o cansaço!


...Como choram as cordeonas…
...como choram as encilhas…
Como as mágoas andarilhas
despejam gotas de ânsias.
Mas quem lhes dá importância?
Quem lhes afaga ou conforta?


- Pois, atrás das tramas tortas,
com certeza, um coração
pulsa, buscando a razão
do fim destas horas mortas!


Arames de farpas miúdas,
todos desfeitos, tombados!
Cambão, o atilho, a estronca…
São pedaços já entregues
à terrunha extrema-unção
que o novo tempo faz jus.
- Porteira chora pra o vento…
Sem o menor cabimento,
como um finado sem cruz!


E os ranchos que são povoados
pela presença do homem,
pela fartura da vida…
...não atendem ao chamado
repetido e demorado
de uma figura franzina
postada léguas dali!


Ranchos, um dia, se sabe:
Serão taperas tomadas
pela morbidez, a cinza,
e a sombra dos arvoredos
confundindo a escuridão.


...E a porteira, por que não?
Porque é do mundo, é de tantos…
Mesmo ruída aos quebrantos,
terá o sol destas manhãs.
...Será eterna e guardiã
dos andantes, das partidas.
Com esperas recolhidas
num crioulo chamamento
chorando pra qualquer vento,
sem mazelas escondidas!


Há uma poesia guardada
na lágrima que resiste
junto ao choro da porteira.
Um verso firme e composto
pelo sincero argumento
parido destas entranhas!


...E o recorredor, voltando
d'algum rodeio parado,
parece andar enciumado
mas só lhe resta andejar.
Seu assovio é uma queixa
mas o vento não lhe deixa
- quase nunca - reclamar!


Porteira chora pra o vento,
nos ermos das tardes mornas…
Empurrando o sol por diante
até os braços do poente.
Com idioma primitivo,
esguio e de pouca força…
Chora pra que só lhe ouça
quem souber os seus motivos!


E quando chora, se atenta!
...Rimando o rangido frouxo
com a orquestra terrunha
dos cardeais nos alambrados.
Guardando em si o pecado
de ser contrária ao destino…
Vertendo um gemido fino
toda vez que lhe aprisiona
a tortura temporona
onde o vento é peregrino!


...Te faz visita, o inverno,
pondo vestido de noiva
nas tuas broncas curvaturas.
...Se a primavera perdura,
te enfeita a trança enredada
pela flor crua e baguala..


..O outono, à ti se iguala,
sem adornos, sem feitio,
penando a falta do brio,
pra roubar-te a dor da fala!


...Muito menos, veraneira!
Serás apenas porteira,
mesclando as quatro estações.
Órfã destas amplidões,
prima-irmã do desamparo.
...Só o vento, amigo raro,
pode dar-te explicações!


Porteira chora pra o vento,
bem como as guitarras soam
nos fogões de almas acesas.
Como estrala a labareda
e chispa fala ao braseiro.


Segue o vento companheiro…
Segue o pranto, este fadário…
Cercando o mesmo cenário
das mesmas mágoas gritantes.
Os ranchitos, mais distantes…
Os caminhos, mais pesados…
O campo ainda calado,
e a porteira igual à antes!

4) Cada infância com seu tempo
Autor: Léo Ribeiro de Souza
Declamador: Pedro Junior Lemos da Fontoura
Amadrinhadores: Leonardo Charrua e Gustavo Brodinho


Te bombeando, assim, dormindo,
neste quarto decorado,
fico horas ao teu lado
te acariciando e sorrindo.
Meu neto... Que guri lindo!
Passou o tempo soi viejo
foi num upa, num lampejo
mas se a idade me golpeia
meu sangue corre em tuas veias
e ao te olhar me revejo.


Somos de infâncias distintas,
fui um piá interiorano
criado meio haragano
sem adereços, sem tinta.
Trazia presos na cinta.
um revolver de madeira
e um punhal de taquareira
que eu mesmo falquejei.
Estas eram minhas "leis"
nas rusgas de brincadeira.


Eu tinha gado de osso,
carro de lomba, tampinhas,
trem de latas de sardinhas
e um bodoque no pescoço.
Um petiço pra ir no poço
buscar água em duas pipas.
Mas que infância bendita,
que vida, que tempo nobre.
Se de patacas foi pobre
de liberdade foi rica.


Hoje a infância das crianças
cruza os céus sem bater asas
porque sem sair das casas
andejam de toda trança.
É que lhes veio esta herança
da internet e seus favores.
O mundo, com suas cores,
se vem pra dentro do lar
no botão de um celular,
ou pelos computadores.


Não que isto esteja errado,
ao contrário, acho bonito,
copiar, colar um escrito,
games, jogos e outros legados.
No dedilhar de um teclado
de tudo se tem noção.
Mas falta o aperto de mão,
o conversar com as pessoas,
o banhar-se nas lagoas,
os pés nus roçando o chão.


Cada infância tem seu tempo,
cada vida a sua história...
Feliz quem traz na memória
belos e ternos momentos.
Não maldigo nem lamento
comparo por comparar...
Outra era, outro lugar,
outras maneiras de afeto,
só te desejo, meu neto,
que não deixes de sonhar.


O que me dói de verdade,
ao se falar de infância,
é a humana ignorância
de quem castra a liberdade.
É a escravidão, a maldade,
a exploração em segredo,
os orfanatos, o medo,
a pobreza por destino,
a turba de pequeninos
que não conhecem um brinquedo.


Infância... tinha que ser
rodeada de coisas boas,
verões de sol e garoa,
sem certezas, só viver.
A infância é um bem querer
que não devia ter fim.
Ao me ver sisudo assim
pergunto as minhas lembranças
aonde andará a criança
que um dia morou em mim?

5) Dinastia Missioneira
Autor: Chico Fontella e Rodrigo Lopes
Declamador: Cristiano Bremm
Amadrinhador: Edvilson Lamberti e Alejandro Brittes


Vou teimando em fazer versos
Em soltar minha alma inquieta
Porque a sina de ser poeta
Eu trago por dinastia
Deus me deu essa alegria
De sempre querer mais
Herdei isso dos meus pais
Meu mundo está na poesia


Boto a inspiração na "forma"
Encilho um verso bonito
Me agrando no infinito
Dou rédea pro coração
Esporeio a emoção
E saio pra campereada
Buscando rimas na estrada
Pra poder cantar meu chão


A caneta é minha arma
Meu calendário regresso
Por isso que quando empeço
A empilhar alguma rima
Aparto o que contamina
E só enalteço o que é puro
Vim pra semear no futuro
A raiz que a história ensina!


Sou só um pobre poeta
Tapado de sentimento
Soltar meus versos ao vento
É o que me trás alegria
Aprendi que a poesia
É um presente sagrado
E quem recebe esse legado
Tem que agradecer, todo dia


É sina encordoar palavras
Por isso agradeço a Deus
É honra cantar os meus
Suas glórias, seu legado
Redesenhar o passado
É garantir que minha gente
Beba na mesma vertente
Repise o mesmo traçado!


Por isso sigo o destino
De enaltecer esse chão
No palácio ou no galpão
Meus versos hão de ecoar
Rimas não vão me faltar
Muito menos, argumento
Missioneiro sentimento
Que guia o meu cantar


Lá adiante, quem sabe um dia
Quando findar minha existência
N'algum canto da querência
Do meu rincão-universo
Se alguém cantar meu verso
Já me dou por satisfeito
E na paz do santo leito
Em cada rima, regresso!


Sempre que um gaúcho
Entoar um canto chão
Meu coração redomão
Vai bater de novo aqui
E a minha alma Guarani
Vai meu verso repontar
Para que eu volte a cantar
Na guela do meu guri

6) Cordeona Genuína (pra digitais de meu tempo)
Autores: Fabrício Marques e Otávio Lisboa
Declamador: Francisco Azambuja
Amadrinhador: Alissom Barcelos

Terrunha... Arte crioula...
Alma em raízes no chão
Feito um materno cordão
Sem tesouras por destino
Decerto, algo Divino
Embora sendo imperfeito
Cruz de Cordeona no peito
Meu sacerdócio Sulino!


Atemporal ou eterna?
Um ancestral instrumento
Sopro de alma e de vento
Quando em meu peito ressona
Dos sentimentos se “adona”
E outras vidas percorre
Vive... Revive... Não morre!
Sempre Genuína a Cordeona!


Bendita imagem do pago,
Nos tentos dos cantadores;
Sonoros nos corredores
Canários na terra Santa,
Com digitais na garganta
E o que acreditam, no verso
Já disse o próprio Universo
Que o homem colhe o que planta!


Fui batizado genuíno!
E disso não faço alarde
Pois de's do ventre, em verdade
Fui aprendendo valores
O tempo e seus corredores
Às vezes os põe à prova...
Perdida, não se renova
A identidade, senhores!


Identidade é o barro
Rancho e nome do Forneiro
É o rastro pelo potreiro
Contando da chuva fina
É tudo que a terra assina
- Herança pros tempos novos -
No rubro nos Sete Povos
É a digital das ruínas!


Genuína história que cresce,
Nas pedras mouras de mim…
Desde as coxilhas sem fim
As várzeas do infinito;
Tem cores de céu bonito
A vibração das canções,
O som maior dos galpões
Pra quem cruzar despacito...


Da lenta ronda da tropa,
A um baile (terra e candeeiro);
Fui Payador e gaiteiro
D'es das primeiras pegadas,
Palmeando as minhas estradas
- Timbradas de botoneira -
M'ias digitais são ilheiras
Pro ponto da “voz trocada”


Já fui a voz do silêncio
Em poesias caladas
Nas melodias cantadas
Fui tanto mais que esteio
Ao demarcar em floreios
A geografia Sulina
Ganhei o mundo por sina
Sem emalar os arreios


Pra digitais do meu tempo,
Na marcação do meu rastro…
Pampeana - alma de pasto -
Campeiro - jeito de chão -
Badalo “das Redução”
Ruína, sem ser tapera
Sonho firmar minha era
Com as alças do coração!

7) Um olhar para a tropa
Autor: Edson Marcelo Spode
Declamador: Vitor Lopes Ribeiro
Amadrinhador: Henrique Scholz


Extraviando o chão sulino
Em cada sentar de cascos
E o costeio dos carrascos
São a sua única guarida
A cruzada é a despedida.
Não verá a mesma plaga
Porque o fio de uma adaga,
Mata a fome e cobra a vida


Talvez a boiada até saiba
O fim desses corredores,
Uma pataca em valores
Ou o sangrador rebentado.
Mas cada um tem seu fado,
Destino ninguém renega
E o que o futuro carrega
Aos olhos de Deus, é passado


E o tempo de gado alçado
No velho pastoreio jesuíta
Já é memória proscrita
De uma liberdade orelhana,
Sempre a vontade humana
Com o teu destino na manga
Ou a charqueada ou a canga,
Entre uma adaga e a picana.


Por isso ele segue firme,
No tranco assim conformado
Pastando algum rebrotado,
Regalo que a pampa aflora
O tempo mais bueno é agora,
Presente no instinto xucro,
E se a vida tem algum lucro
É no caminho que ele mora


Trotear ao rumo do fim
É o preço da própria vida
A morte espreita escondida,
Pra um golpe certo na guela.
Passo a passo ela nos nivela
Pouco importa o que se faz
E mesmo andando prá tras,
Se chega mais perto dela.


E assim as tropas de outrora
Seguiam desenhando estradas,
Cortando as coxilhas, canhadas,
Desse Rio Grande em memória
Deixando em sua trajetória,
Novo povoado em semente
Em seu encargo inconsciente,
De ser sinuelo da história.


Quanto caminho cortado
Tempo feio, sol de janeiro,
Sem tropa não há tropeiro
Cada qual, uma incumbência,
Desbravando nova querência
Que o horizonte destapa
Para ir forjando este mapa
Enquanto tropeava a existência.


Se a boiada puxava a ponta
Na marcha da integração,
É mais que justa a menção.
Na história dessas tropeadas
E as suas imagens aplastadas,
Conservam, apesar de gasto,
O Rio Grande cheirando a pasto
De tantas glórias passadas.


Desenvolveu-se o Brasil
Por esses campos sem fim,
Ruminando o mesmo capim,
Partilhando do mesmo ofício
Que à comitiva foi sacrifício,
Ninguém discute ou renega
Mas o gado é que carrega
Triste sina de ser munício.


E foi o sustento de tantos
Nas lides mais encardidas,
Aos que gastavam as vidas
Changueando de retirante,
Garimpando ouro, diamante,
Atrás do sonho empoeirado
Que a cada sol derrubado
Ficava sempre “pra adiante”


Segue no costeio o arrieiro,
Homem rude e destemido,
O desbravador aguerrido
Um morador da amplidão
Balanceando essa condição,
Lhe toca um velho tormento
Se a tropa ainda será tento,
Tropeiro ainda vai ser chão.

No rigor de suas andanças,
Empeçando a vida tropeira,
O Coronel Cristóvão Pereira
Decerto também desconfiava
Aquela tropa que repontava
Olhando-a meio com zelo
Tinha alma sob o seu pelo,
Que soga alguma laçava.


Por isso estendo um olhar
Que me perpassa a retina
E vejo essa tropilha teatina,
Pealada por seu destino
Talvez nosso gado sulino,
É o Rio Grande abarbarado
Ecoando num descampado,
No berro de um boi brasino.

08) Entre perfumes e risos
Autora: Joseti Gomes
Declamadora: Silvana Andrade
Amadrinhador: Gustavo Brodinho

Na penumbra do salão
eram risos que falavam
e desfaziam contratos
desses de fios de bigode.
Falsas juras e penteados,
perfumes e gargalhadas
ofuscando lustres velhos
de luzes adormecidas.


Nas mesas, cartas e fichas.
Borrões - marca nos copos -
eram beijos, sobrepostos,
dos carmins de enfeitiçar...
Garrafas gordas e frias
com as barrigas vazias
zombando do frenesi
do esvaziar de guaiacas.


A fumaça dos cigarros
tinha cheiro e tinha marca.
Chegavam feito monarcas
com ares de coronéis.
Mas lhes faltava talento!
E as gurias diplomadas
escolhiam companhia
pelas pedras dos anéis.


Na bruma densa da casa
a dama mais desejada
arrancou “miles de réis”,
suspiros e lucidez,
pensamento, sono e calma
de quem falava co'a lua
e rabiscava em segredo
versos mesclados de medo
pela inocência da alma.


Perdera a conta dos copos
que virara nesta noite.
Já não ouvia as risadas
das damas e dos senhores.
Olhos ardendo em ciúmes,
avermelhados qual brasa,
incendiavam na casa
feito tochas encarnadas
queimando, iluminadas,
pelo furor de seu lume.


O pano verde da mesa
engoliu todas as fichas
jogadas de uma só vez.
Já não restava mais nada,
somente a velha calçada
com os seus braços abertos
de carnes magras e nuas
- deitada à margem da rua -
lugar de afogar tristezas
nos copos da embriaguez.


Tomou o último gole
da cachaça do orgulho,
pegou a tinta da pena
e rabiscou um poema
nascido do seu fracasso:


“Tolo fui ao desejar-te
com este amor sem valia,
sem lastro, sem garantias.
Deixo junto da razão,
sangrando, meu coração
que foi teu, todos os dias...”


Guardanapo de papel
recebe o verso rimado,
um beijo todo amassado
que fica em cima da mesa.
Saiu meio cambaleando,
foi se deitar no relento.
Sina comum desses tempos
entre os loucos dos poetas
e as damas, lá do bordel.

9 - O campo que trago
Autor: Henrique Fernandes
Declamador: Neiton B. Perufo
Amadrinhador: Willian Andrade

Resvalo a mão na testeira
de um preparo de trança chata,
de corredor e arremate
feitos com a lonca da zaina,
que envelheceu nos arreio
e depois de muitos anos
me regalou pros recaus
esta prole com sua marca
-salga e calçada das “mão”-.


Solto a barbela do freio,
com o sol já cabresteado
e “encocheirado” no poente.
Folgo a boca desta potra,
que logo me ínvida os sentidos
neste cenário que trago
e dão sentido pra gente.


O aroma que os arreios
exalam depois da lida,
adentram pelas narinas
recompondo a nossa essência
com geratrizes terrunhas
donde estribamos a vida.


O cheiro das barrigueiras
pingando suor de cavalo,
sacia a sede de campo,
enquanto os olhos se inundam
verdejando uma planura
de repechos e canhadas
que a luz da alvorada
encontra a própria ternura.


O garbo entono emplumado
dos quero-queros valentes,
combatentes guerrilheiros
dentre todos passarinhos,
Investem voos rasantes
contra um cordeiro curioso
que retoça perto do ninho.


O João de barro abre o peito
numa tronqueira de angico
tal um aboio de tropa
chamando a lua em reponte,
enquanto o sol no horizonte
estende a sombra das grotas.


É este o chão que eu comungo
pelos fogões do meu pago...
...é este o chão que eu retrato
quando o fiel do rebenque
abraça o punho canhoto
e o chapéuzito maroto se ladeia pacholento
bem tapiadito pro lado.


...é esta sina andarilha
de sustentar nas "encilha"
o dia que nasce feio.
Chuva fina no varzedo
e o vento brandindo
o poncho no parador do rodeio.


Cá nas plagas que resojo
meu memorial campechano...
...templa rural e boerana,
desbravada com as mãos na enxada,
com tropas e arreador,
pra sustentar os moirões cravados antes de nós
e que balizam os rumos dos avós no fiador.


Singular nomenclatura
que escrituraram seus feitos
perpassando gerações...
...na junta mansa de bois,
no boleio firme do laço,
na garantia que o braço
boleava certeiros tirões.


Índia memória encravada
na sina bugra empedrada
dos bretes e dos mangueirões.


Esporas riscando a terra
cegando o fio das rosetas,
que o contra forte das botas
garante sua picaneada
no rascunho das paletas.


Transcendência placentada
numa tapera de campo...
...sementeira semeada
a cova de casco de potro.


Antes de tudo... meu sangue!
Antes das guerras e hinos...
...antes das coroas e dos sinos
na impostação das virtudes.


Antes mesmo das bandeiras
das lanças e clarinadas...
...lenços, punhais e adagas
alambrados e fronteiras.


Nos já “tinha” nossa história
calçada nas nazarenas.
O respeito aos de antes...
...a firmeza pra os de agora.
E pra os depois...
...e pra os depois, este cenário,
retratado num poema.


...depois de um dia de lida
o aroma dos arreios recompõe a minha essência...
E me põe bem de a cavalo
pra emoldurar o meu pago.
Pois amanhã, tudo de novo...
O fiel na mão canhota,
o chapeuzito maroto
bem tapiadito pra o lado,
E na alma este universo.
Este... é o campo que trago.


10 - Don Giovanni, imigrante
Autor: Danilo Kuhn
Declamadora: Silvana Giovanini
Amadrinhador: Danilo Kuhn

Sua alma içou velas
em busca de um novo cais.
Tantos sonhos, tantos ais,
guiados pelas estrelas...
A vida e suas mazelas
redesenharam o norte.
Cativo da própria sorte,
de desamores e guerras,
aportou em outras terras
Don Giovanni, imigrante.


Órfão de pátria e timão,
feito um barco à deriva,
encontrou mãe adotiva
que acolheu, em seu pendão,
o filho do coração.
Ao cruzar um mar de pranto,
encheu os olhos de campo,
de labor e esperança
ainda que, na lembrança,
houvesse dor, desencanto.


Cada semente plantada
na partitura do solo
era alento, era consolo
à sua dura jornada
de foice, arado e enxada.
Uniu sua voz à canção
que aprendeu na plantação
e foi cultivando laços,
pois, ao longo dos compassos,
as notas se dão as mãos.


Don Giovanni acreditava
que a vida era uma ópera,
uma parceria insólita
entre o príncipe das trevas,
que a música assinava,
e Deus, sublime poeta,
célebre autor do libreto.
A Terra, grande teatro,
em seus infinitos atos,
eterna obra incompleta...


E o imigrante aceitou
cambiar cena e figurino
quando o senhor do destino
no intermezzo indicou.
Ao prelúdio abandonou,
rumo a um grande final.
A orquestra, em recital,
acompanhou o dueto...
Compôs sua própria opereta
Don Giovanni, magistral.


Ah! O palco do amor,
enfim, abriu as cortinas.
Mal cabia nas retinas
o encanto do tenor
ao ver a diva, em clamor,
no calor de seu abraço.
Ela preencheu o espaço
que o imigrante trazia
em seu peito sem poesia,
agora cheio de graça.


Formou família no seio
da pátria-mãe adotiva...
De triste barco à deriva
a porto seguro, esteio.
Navegando em seus anseios,
encontrou o próprio norte
e, bendizendo a sorte,
depois da dor e das guerras,
foi feliz em novas terras
Don Giovanni, imigrante!

 


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