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25ª QUADRA - SETEMBRO DE 2023

 

1- As tesouras de Dom Valter
Autor: Alcindo Neckel
Declamador: Alcindo Neckel
Amadrinhador: Violão João Soledad - Percussão Marcos Volmar Ferreira

O tempo que penaliza
vem desprovido em si,
num viver que ironiza
a decadência do fim.
Um sol longe move o lume
na ideia que tudo passa...
A vida começa, perpassa
na lembrança que consome!...
Monólogo... pó de estrada,
gastando espora, sovéu,
de Cruzaltinha até Caseiros
um guri tapeando chapéu...
O tempo estende o véu...
Homens ficam mais velhos,
o aço se torna esguio,
são três tesouras a perfil
e um mestre que foi pro céu!!
.... Dom Valter, então partiu...
deixando ternos legados
vetustos e tão presentes
que fazem falta pra gente.
O tempo que altera feições!...
Judia o fio das tesouras
já manejadas por mãos
antes ágeis e vindouras!...
... já foram bem afiadas
cortando tantas melenas!!!
Hoje, na parede, penduradas
simbolizam um torena!!!
Seguras em duros pregos
que a ferrugem induz,
lembrando aquela cruz
do calvário dos castigos!
A poeira veste, unifica
com seus trajes de abandono,
ao mesmo garbo e entono
do tempo que crucifica.
O aço não tem alma
pra chorar ou sorrir...!
Mas, espera a mão calma
sem ter um rumo pra ir...!
São três tesouras judiadas
numa espera pontual...!
Degradadas, envelhecidas
pra um descarte final...!
A mais velha das tesouras
chamada de: APRENDIZ!!!
Já degustou acres salmouras
das labutas que condiz...!
... apreendeu com o barbeiro
que buscava seu quinhão,
a labutar num roteiro
pro custo de cada pão!!!
A segunda das tesouras...
Presença posta ao meio,
aposentou a primeira
e foi chamada: COMPANHEIRA!!!
A mesma mão na tesoura
garantiu a formatura,
um filho salvando vidas
com bases bem sucedidas.
A terceira das tesouras
se intitula: SAUDADE!!!
O mestre que a pendurou
nunca mais voltou!!!
... era o último dia
sem preludiar despedida,
onde a morte por ousadia
foi decretar uma ida.
O tempo que penaliza
vem desprovido em si,
num viver que ironiza
a decadência do fim.
As tesouras de Dom Valter
retratam o próprio tempo...!
As tesouras de Dom Valter
instigam saudades nos netos...!
Se a ferrugem gasta o aço
a alma não se desbota,
sem lamento, nem cansaço,
segue a trilhar nova rota.

2. Ofício de Benzedeira
Autor: Joséti Gomes
Declamadora: Romila Amaral
Amadrinhador: Fernando Graciola

Dona Antônia faz a reza,
Que a gente quase não ouve,
Porque nasceu noutro tempo…
Dona Maria dos chás
Tempera com mel e magia,
Com bondade e sapiência,
Que a gente ainda não tem…
São mulheres benzedeiras,
São iguais a outras tantas
Que partiram deste mundo
Prum lugar, talvez, melhor…
São mães, são tias e avós
Que curam corpos e almas
Cansadas de um sofrimento,
Que ninguém consegue ver.
Os nomes dessas mulheres
Não figuram em registros,
Em matérias publicadas,
Tampouco nalgum recibo,
Que comprove pagamento,
Pelas curas realizadas
Ao longo de suas vidas!
Senhoras, de nobre ofício,
Que trazem a luz nas mãos…
Que bloqueiam energias
-pro mau-olhado, sal grosso-
Quando fazem seus pedidos
Numa reza cochichada,
Com um raminho de arruda
Banhado em águas de sal.
Dona Antônia, em suas rezas,
Já curou muitas feridas
Abertas dentro do peito.
Lencinho branco, avental,
Olhar nublado de adeus:
“Já pode voltar pra casa.
Faça repouso e se cuide
Que o resto quem faz é Deus!”
Dona Maria dos chás,
Eliminou tantos males
Espalhados pelo corpo...
Curou o “nervo rendido”,
A “espinhela caída”,
Também a “carne quebrada”
e muita dor de barriga.
Uma garrafa com água
Junto à brancura de um pano,
Deitado sobre a cabeça,
Retira o sol, que arde
E cozinha os miolos,
De quem, junto da enxada,
Trabalha o dia inteiro
Para ter o pão na mesa...
Mãe Maria e vó Antônia...
Mulheres, de um outro tempo,
Que ainda exercem seu dom.
Que muito sabem de curas
E cuidam das criaturas
E do mal da humanidade.
Hoje, espiam a estrada
Com grandes nuvens no olhar...
Os homens buscam respostas,
Muitas vezes, em lugares
Que só trazem mais perguntas
Que ninguém vai responder...
Existem muitos remédios,
Muitas receitas e doses
Que só o corpo precisa.
E a alma? Que vai fazer?
As pragas andam à solta
Disfarçadas com perfume
De flores plastificadas,
Para invadir a morada
De quem se vê distraído,
Para enterrar suas garras
Rasgando a carne dos fracos...
Somente as benzedeiras
Sabem de curvas e abismos,
Sabem das sombras do mal.
O Senhor, como missão,
Concedeu somente a elas
Transitar pelos caminhos
Do mundo espiritual!

3. Poema de Luz e Céu
Autor: Danilo Kuhn
Declamadora: Paula Stringhi
Amadrinhador: Danilo Kuhn

Palavras de luz e céu
despontam no horizonte
da aurora dos olhos teus...
Sou menos noite que antes;
despacito, amanheço;
serei dia num instante...
Fechara os olhos, confesso...
Céu sem lua nem estrelas
quinchava o meu universo...
Mas, ao abrir as janelas
desta minha casa escura,
soube: o amor inda cintila...
Construí minha clausura
sem lume, sem poesia,
pois não encontrava a cura
pra ferida que ardia
no meu peito, envolto em breu;
minha alma anoitecia...
– Meu olhar enegreceu
à medida em que a noite
me abraçava em denso véu –.
Por destino, ou por sorte,
iluminaram-se as retinas
e eu recobrei meu norte
quando pude abrir cortinas
e gozar do alvorecer
lumiando, de relancina,
a negra alma deste ser
que lentamente desperta
em seu novo amanhecer.
Na manhã de céu aberto,
outra vez eu vejo o sol
luzidio e o meu peito
se aquece em arrebol
que não resta de meu pranto
uma lágrima de sal!
– Sei que, de tamanho encanto,
finalmente me fiz dia
como um dia, por quebranto,
fora, mas que a noite fria,
com seu poncho assombrado,
jurou que não mais seria... –.
Hoje, as sombras do passado
desvanecem, uma a uma,
com o dia ensolarado
que em meus olhos se apruma.
Coração bate depressa
as suas asas em pluma
rumo ao céu que é uma promessa
– renovam-se as esperanças
a cada dia que empeça –.
Amanheço nesta ânsia,
recorrendo a velha trilha
que o amor, em minha lembrança,
novamente apresilha:
o sol sabe do poente,
mas nem por isso não brilha...
Despontam no horizonte
palavras de luz e céu;
sou menos noite que antes!

4. Regresso
Autor: Henrique Fernandes
Declamador: Jadir Oliveira
Amadrinhador: Jean Carlos Godoy

Longe de si e dos seus
A vida passou num upa.
O tempo cobrou- lhe o preço
Na distância das estradas.
Pra trás, o pó das ruínas
Nas taipas dos corredores...
...Junto à memória das tropas
De nostalgia empedrada.
Rastros de idas sem voltas,
Canto de esporas caladas...
Cincerros timbrando o bronze
Na cicatriz dos aboios.
E os veios dos mananciais
Que seguem no mesmo rumo
Guardam vozes de saudades
No murmúrio dos arroios.
Pelos caminhos sentidos
Que agora se faz história,
A abreviatura encrustada
Enternecida na terra.
Plasmando a ânsia olvidada
Pela insistência perene
No vigor dos “pajonais”
-num memorial de tapera-.
Não foi por andar solito
Que definhou solitário,
Mas por perder-se de si
Entre o galpão e o povoado.
A ambição aprisiona
Quem traz pelo cabresto
Os sonhos que mal golpeados
Deixam o índio extraviado.
Mesmo que a Dalva aponte
O rumo que destrilhou,
A sorte é pouca no mas
Pra reencontrar as veredas.
Em cada olhar “cacimbeiro”
A reluzir sua essência
Se despe da própria imagem
-numa bombacha de seda-.
Calos e rugas tapeadas
“Bajo” um sombreiro surrado,
E um lenço mal conservado
Que desbotou sem sofrer.
Mas sofreu a dor das casas
Sem os gritos da peonada
Nos alvoroço das domas
Dentre as razões de assim ser.
São tardes de primaveras
Sentindo o aroma adoçado
Das laranjeiras maduras
E as flores da maçanilha.
São noites largas de inverno
Se aquecendo ante um borralho
Que lento pita em braseiro
Um cerne de coronilha.
São milongas desatinadas
Que também buscam guarida
Na calmaria de um grilo
Que ponteia sua guitarra.
Contracanto seresteiro
De outros tantos cantores
Que habitaram os banhados
Num orquestral de chamarras.
Se hoje chegasse a bonança
Depois de ter gauderiado.
Depois de andar nas vielas
No sendeiro da ganância.
Resplenderia na copla
De um assobio de regresso...
... de quem depois de uma lida
Volta cantando pra estância.
Talvez se encontre ao volver
Com as coisas simples de sempre,
Ao ver a riqueza sonhada
Ao seu lado no costado.
Ninguém foge do destino
Que já trazemos escrito,
Pra resgatar outros pealos
Mal firmados do passado.
Pior que a doma de um potro
Que foi cortado da boca,
É botar bocal no orgulho
Descurinchando a vaidade.
Pra refazer um caminho
Ou volver pra si e pros seus...
... não basta apenas coragem,
É preciso ter humildade.


5. Mãos de Anjo e Domador
Autor: Lorezone Barbosa
Declamador: Érico Rodrigo Padilha
Amadrinhador: Fernando Graciola

CONHEÇO UM PAR DE MÃOS CALEJADAS DE ESPERANÇAS,
AMPARO DOS MEUS SEGREDOS, DOS TEMPORAIS A BONANÇA,
QUANDO A ESTRADA ME CARREGA PARA SEGUIR UMA TROPA,
SÃO O ADEUS NA PORTEIRA, O ABRAÇO PRA MINHA VOLTA.
ESSAS MÃOS DE AMOR SAGRADO, QUE NÃO FROXAM PROS LOMBILHOS,
SÃO AS MESMAS QUE PROSTRADAS PEDEM À DEUS PELOS FILHOS,
ENCILHO O FUROR DO TEMPO ENTRE ESQUILAS E TROPEADAS,
PARA ENCONTRAR ESSAS MÃOS: CALOR SEM DOR NEM PALAVRAS.
TERÇO E CRUZES TESTEMUNHAM ÍMPAR FORÇA, ENCANTAMENTO,
MÃOS QUE ASCENDEM PARA O BREU TOCANDO O CÉU NUM LAMENTO,
MERECIMENTO POR CERTO, POR SEREM MAIS QUE QUERER,
SAUDADE EXPOSTA NO RANCHO, BONS MOTIVOS PRA “VOLVER”.
MÃOS DE CALOS, MÃOS DE AFAGOS, DE MESA POSTA, PERDÃO!
MÃOS DA LIDA, MÃOS DE VIDA, RUDES BENÇÂOS, COMUNHÃO,
SÓ QUEM SABE SER ESTRADA ENTENDE DOS QUE TROPEIAM,
SE MINHA ALMA QUEBRA AS ASAS SUAS MÃOS ALADAS ME LEVAM.
SÃO DE ANJO E DOMADOR ESSAS MÃOS PLURIFICADAS,
DE DIA SÃO CERNE PURO, A NOITE ELAS VIRAM BRASAS!
E NAS MANHÃS QUE LHE SEGUEM QUANDO SANGRA ALVORADA,
CAFÉ COM SONHOS DORMIDOS SERVIDO POR MÃOS AMADAS.
ESPERANÇAS ESPALMADAS, CONCHAS FONTES DE CARINHO,
PEDINTES QUE ESMOLAM FÉ PRA SEREM PLUMAS NO NINHO,
ONDE OS SEDENTOS SE FARTAM, CALOR, ROMANCE, AFETO.
MÃOS DE AMANTE, MÃOS DE MÃE, TÃO CHEIAS DE AMOR INCERTO!
JARDIM DE ESMERADO ZELO, DESESPINHADO, FLORIDO,
QUERÊNCIA PRA NOSSA PROLE, PÔR DE SOL MAIS COLORIDO,
SÓ QUEM TEM FLORES NA ALMA, SABE DE ABELHAS, PERFUMES,
TRAZ NOS OLHOS NOITES CLARAS, PRA INSÔNIA DOS VAGA-LUMES.
PEÇO PERMISSO SENHORA, PARA ESSAS MÃOS AFAGAR,
DESTINO DESSA SAUDADE QUE ESCRAVIZOU MEU OLHAR,
CHEGARAM SEM TER PROMESSAS, ALFORRIANDO O CORAÇÃO,
LIBERTANDO O MELHOR DE MIM DAS GRADES DA SOLIDÃO!

6. As Queixas do Laço Atado
Autor: Matheus Costa
Declamador: Fábio Malcorra
Amadrinhador: Mário Terres

Balbuciou o laço atado
seus queixumes e lamentos
enquanto preso nos tentos
d'um cristão enforquilhado.
Sacudindo a contragosto,
é um caseiro sem ter posto...
...quase um peão desajustado.
Mas sabe, o laço nos tentos
que é serviçal, tem ofício...
...e, vez por outra, tem vícios
de rasgar a tez dos ventos.
Voando no campo afora,
parece encurtar demoras
maiores que seu contento.
Com rodilhas de saudade
dos galpões, da calmaria,
vai compondo a melodia
sem a rima da vaidade.
Por ser simples e genuíno,
é um crioulo peregrino
na presilha da humildade.
Enciumado das esporas
e do choro das basteiras,
que cantam - a suas maneiras -
sempre que o silêncio implora...
...o laço é uma voz aflita
que, conversa, mas não grita...
...que se queixa, mas não chora.
E quando cincha - espichado -
matreiros pelo rincão,
é um baraço para a união
dos pedaços extraviados
que pertencem às canhadas,
potreiros ou invernadas,
pelos rodeios parados.
Chega cochilar num tranco
de volta às casas, que o pingo
é um pincel vivo tingindo
as estraditas em branco...
E o laço benze os açoites
com as palavras que a noite
recita, em seu tom mais franco.
E os cambichos que carrega
(com tirões que nem aguenta)
são passagens espinhentas
que, por sofrido, renega...
Um, deles, vive com a argola...
...e se nada lhe consola,
vem de arrasto nas macegas.
Com sede de ser liberto,
bebe o sereno vertido
nos invernos estendidos
que ele conhece de perto.
E nos verões, com paciência,
se banha em suor de querência
pelos longes mais desertos!
Estranha n'alguma volta
que fica à toa nas garras,
caso lhe atem por farra
pro olhar da china que nota.
Então, se aquieta, enfeitado
na encilha do 'enamorado'
que, nem por reza, lhe solta!
Balbuciou o laço atado,
segredos para os arreios...
...e deixou mágoas, anseios,
pra quando se ver cimbrado...

7. Certos Homens
Autor: Juarez Machado de Farias
Declamador: Flavio Soccol
Amadrinhador: violão Danilo Kuhn, Serrote Luciano Salerno

Certos homens
conhecem a terra que se esconde
no chão de suas botas.
Conhecem a semente que brota
no campo afora da existência,
são Martins Fierros da esperança,
esteios firmes da Querência.
Afinam a voz no diapasão dos ventos
e descobrem a poesia que se entranha...
no pergaminho transitório dos momentos.
Compreendem a fragrância das estradas,
e, junto a eles, tantas noites se enluaram
esparramando o poncho das estrelas
iluminando os caminhos que não eram claros.
Esses homens
recordam ruínas jamais derrotadas.
E, ao invés de empunharem espadas,
afinam o mais doce violão
com as cordas do seu coração.
Sim!
Esses homens são ferro em brasa
no couro da História,
um legüero rufando no chão!...
Montados em cavalos de entono e bravura
deixaram a vida no sangue
Pintalgando a terra escura.
Morreram!!
E voltaram caraguatás,
que os homens sem flor esqueceram
pelos espinhos perdidos da paz.
Ah... esses homens,
certos de que a terra foi feita pros braços,
que a paz foi feita pra todos,
que morrer por nada é afrontar a lei do viver
sepultaram-se nos rumos,
onde cruzes de silêncio,
de quando em quando,
avistam um gesto de respeito:
- Um chapéu que se recolhe
da cabeça para as mãos,
de quem percebe o rastro da morte.
Esses homens...
certos de que a guerra
é a nuvem que esconde o alvorecer.
Alguns ficaram pra trás...
outros semearam filhos
que têm o mesmo rosto do pai.
Sim! Filhos campeiros, com hombridade!
Onde os corações, no rebenque duro
os fez sofrer cedo as dores da severidade.
Esses filhos...
compreenderam a sombra taciturna
de suas mulheres e mães vítimas da guerra
que assassina amores e utopias.
Mulheres vestidas de preto e de pranto,
esteios de agonia nos ranchos,
varrendo terreiros, erguendo alvoradas frias.
La maula!!
Certos homens perderam-se das memórias
porque são muitas as histórias
e a verdade é sempre uma.
Não se encontram nos livros,
nem são os fantasmas de pedra
a que chamamos "estátuas",
assombrando o agora das praças.
São esses homens...
que deixaram mulheres e filhos,
e sonhos e saudades...
que conheceram a terra que se escondeu
no chão de suas botas...
e voltaram a ser ela própria:
- Terra feliz, farta de sementes...
essência que alimenta novas eras...
no hoje, num amanhã...
...Nos tempos de paz ou de guerra!

8. O Pouco Fala
Autor: Don Arabi Rodrigues
Declamador: Neiton Perufo
Amadrinhador: Jorge Araújo

Já fazia um “ano e pico”
que aquele “quilinudo”,
deu “o-de-casa” na frente
da fazenda do seu “Juca”.
Mês de julho, tarde finda,
inverno de bater queixo.
Depois de pedir “permiso”,
c'um gateado pela rédea,
sombrero na outra mão,
deu “buenas tarde”, por fim.
Ao andar, o rim-tim-tim
das “choronas” no terreiro,
dava conta, sem dizer
da profissão do gaudério.
-Eu só preciso dum pouso,
disse com todas as letras.
- Estou aqui de passagem,
pra “Estância do Paredão”,
ando campeando serviço,
pra lida de “domador”.
"Passe no más", disse o “Flor”,
o caseiro do seu “Juca”,
que fora morar no povo,
pra dar estudo pras filhas
no Colégio das Irmãs.
Foi a noite, e de manhã
antes do dia clarear:
a lida, já estava pronta,
já tinha ordenhado as vacas,
racionado a cavalhada.
Levantou de madrugada?
perguntou o velho “Flor”.
-Eu sempre pago um favor
da forma como recebo.
A gratidão é um louvor,
que a gente faz em silêncio,
para que Deus possa ouvir,
a voz da alma ajoelhada.
Pra mim, que moro na estrada,
qualquer agrado é um “regalo”.
- Não repare como falo,
“assim acastelhanado”,
eu nasci do outro lado,
ali na “Banda Oriental”.
Os meus pais, são “doble Chapa”,
vivi um tempo por lá,
“y outro tanto” por aqui.
-“Bueno, con su permiso”
vou buscar um barril d'água,
trazer lenha pro fogão.
O “Flor”, ficou sem ação,
diante de tanta franqueza.
Mas lá no fundo, a emoção
traduzia o sentimento
d'alguém q'um dia vivera,
igual aquele, sem nome.
O frio, o calor e a fome,
tinham moldado seu jeito.
Via agora, com respeito
o irmão, que fora outrora.
No mundo novo d'agora,
era difícil de crer
q'um ser humano tão simples,
falasse tanto do outro,
quando falava de si.
-Meu nome? Já esqueci.
Me chamam: “O Pouca Fala”,
respondeu, sem perguntar,
pois quem vive dos arreios,
não tem muito pra contar.
A vida, luz de luar:
é tênue, porém eterna;
quando ascende deste plano,
retorna pra d'onde veio.
Redepente e de permeio,
uma voz chamando o “Flor”,
ecoou em todo o galpão:
era o seu “Juca”, o patrão,
que ao ver o “domador”,
chegou ficar tartamudo.
Seu “Juca”, esse “quilinudo”,
(disse o “Flor”, sarapantado)
chegou aqui pediu pouso,
num tarde que nem esta:
o frio, molhado de vento,
e uma névoa qu'escondia
o campo, o gado e a estrada,
a morada dos andantes.
- Tá bem, “Flor,” é o bastante,
já entendi o que passou.
O tempo se encarregou
de mostrar a todos nós,
que o silêncio possui voz:
fala alto, forte e claro.
-Tu vistes, quase tonteei,
quando enxerguei esse vulto;
possui algo, que convence,
qualquer um, por mais letrado.
-Me deu gana de saber
mas, fiquei encabulado.
- “Flor”, eu também, no passado
andei batendo cabeça,
por esse mundo de Deus.
Num de repente parei,
aqui no mesmo lugar;
onde o “crinudo” parou.
Dei “o-de-casa”, e um velho
mandou “me chegar no más”.
Virei peão, fui capataz,
por fim, o genro querido.
No mundo dos excluídos,
tem baixio, cerro e espinho,
tem banhado e pedregulho.
Quando quebrado o orgulho,
a luz aponta o caminho,
para quem for escolhido.
O “crinudo” é gente boa:
é sério e mui prestativo,
aí estão o motivos
do nosso Deus, em pessoa!!!

9. Atavismo
Autor: Leo Ribeiro de Souza
Declamador: João Batista de Oliveira Machado
Amadrinhador: Bombo leguero Fábio Malcorra/Violão Mário Terres

Trago ao reponte um destino, um fado,
e que me prende a cultivar raízes
correntes de aço, grilhões bem cadeados
silenciosos, densos, invisíveis.
É algo estranho, não nasci no campo,
não tive estância ou pingos de lei,
mas aqui dentro tenho acalantos
pela querência onde me criei.
Sei que tem nome esse ardor latente:
É atavismo, reaparições,
e que renasce nalgum descendente
mesmo passadas muitas gerações.
Por certo alguém de antigas eras
doou-me a sina de apego ao chão,
talvez um negro que virou tapera
quando em Porongos lhe gritaram - Não!
Quem sabe um índio que fugiu da tribo
ou um soldado lá de Gumercindo,
crente no braço, muito bom no estribo,
destes gaudérios que peleavam rindo?
Mas também pode ser um pajador,
ou um poeta com a pena em riste,
vates que sabem versejar o amor
para que o mundo fique menos triste.
.Talvez eu venha do distante Açores
singrando mares pra povoar aldeias,
um litorâneo suportando as dores
pra ser pendão deste chão de areia.
Sou meio assim... colcha de retalhos,
colono guapo trabalhando a terra,
um missioneiro ao pé do borralho,
um rio-grandense da fronteira à serra.
Carrego a imagem de tantas Anitas,
de Cabos Tocos, guerreiras de brilho,
e a ternura daquela mãe solita
nas madrugadas acalentando um filho.
Sou prisioneiro de airosas lendas,
folhas de livros, baús da memória,
de tempos feios ou gloriosas sendas
donde criou-se minha própria história.
Eu fui flechado, mas não sei o dia,
pelo atavismo de algum Querubim
e desde então, pela poesia,
avulto a chama que habita em mim.
Sou qual o Boca, lembrei de vereda
deste terrunho que dizia em verso:
- Eu sou gaúcho e isto me chega
pra ser feliz em todo o universo.
*Boca: Poeta e declamador Marco Aurélio Campos

10. O que Haverá
Autor: Jadir Oliveira
Declamadora: Silvana Andrade
Amadrinhador: Jean Carlo Godoy

O que haverá por detrás do homem?
Quais os mistérios que sua alma tem?
Quem saberá para onde caminha?
Quem saberá de onde ele vem..?
Quais os mistérios que habitam a alma?
O que se esconde entre sombra e luz?
O que há oculto por detrás da máscara,
Que manipula, engana e seduz?
O que haverá por trás de um sorriso,
De um ser humano alegre e sonhador?
Talvez um muro de pedra e silêncio
Que impede a alma de acessar a dor.
O que haverá por detrás da raiva,
Fera selvagem que em nós habita?
As emoções retidas, represadas,
Rompendo a taipa quando a alma grita.
O que haverá por detrás da dor,
Daquela alma já despedaçada?
Talvez espinhos machucando a carne
Que foram cravando ao longo da estrada.
O que haverá por trás da paciência?
Serenidade, mansidão, poesia?
Talvez a escolha de que quem aprendeu
Viver a vida com sabedoria.
.
O que haverá por trás da caridade,
Daquele ser que a tudo dá um jeito?
Talvez um dom que recebeu de Deus
E um coração que mal cabe no peito.
O que haverá por detrás do amor
De quem se doa sem ter nada em troca?
Talvez a graça de um poder divino
Que só o amor ao chegar provoca.
O que haverá por detrás dos filhos
Que trazem neles o gene dos avós?
Talvez a benção de sermos eternos
Vivendo neles bem depois de nós.
O que haverá por detrás dos velhos
Que vieram antes abrindo picadas?
Talvez o encargo de entregar aos novos
O que receberam ao longo da estrada.
O que haverá por detrás dos olhos
Daquele sábio que ensina e acalma?
Talvez o dom de escutar o silêncio
Talvez a arte de enxergar a alma.
O que haverá por detrás do homem
Que se divide entre o bem e o mal?
O livre arbítrio de escolher o rumo
Onde cada passo pode ser fatal.
O que haverá por detrás do homem?
Sigo essa busca pelos dias meus,
Talvez descubra quando eu encontrar
O que haverá por detrás de Deus.


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