2ª QUADRA - SETEMBRO DE 1997


1 - CARTA ABERTA AO GURI QUE FUI
Autor – Moisés Silveira de Menezes
Intérprete – Loresoni Barbosa

Quando vim de lá, trouxe quase tudo,
tudo o que cabia na velha mala sebruna
e nos anseios de horizontes largos.
Ficou um potro cabos negros
ausentado de quem cavalgava
"alpedo", ao sabor dos ventos.
Ficaram os meus tão queridos
que ainda hoje, povoam meus recuerdos
junto a outras tantas bem queranças
que me foram acrescidas, pela estrada.
Ficou um amor não resolvido
eternizado em sonetos tolos e ingênuos.

Fui guri plantado a beira rio
onde a prata dos lambaris
cintilavam ao ouro-sol do verão,
bailando ágeis pelas corredeiras,
emolduradas de aguapés e sarandis.
Na retina guardei imagens,
de mal me queres desfolhadas,
gosto doce das frutas silvestres,
aroma de anis e maçanilha
que compuseram sutil sinfonia
criando contornos as minhas distâncias.

Aos torvelinhos se intercalam na lembrança
lentas imagens da paisagem da querência,
capões de mato enclausurando centenárias casas
onde dormitam amarelados retratos nas paredes
como guardiões de uma história meio bruta
perenizada na dureza dos relatos.
Rios preguiçosos onde se espelham cerros grandes
e costeiros fantasmas perambulam
na boca larga dos causos e das lendas.
Deste cenário eu vim, partido, repartido
ombreando o fado de moldar sonho e destino
ao som longínquo de um clarim em retirada.

Hoje tenho certeza, que não vim de todo
ficou uma parte, partida, vagando
nos campos floridos da infância
talvez por isso, vez por outra
volte a pequena e plácida cidade,
esculpida no alto da coxilha
entre a Serra Geral e o Planalto,
busco elos, peças em falta
no intrincado quebra cabeças
que paciente e perseverante
vou montando ao longo dos dias,
para entender donde vim e prá onde vou.

Me reencontro em parte, aos poucos
quando o disperso imaginário
me transporta em fantasia
olhar sonhador, plasmado
na frágil e glácil silhuta
da professorinha da escola rural
que serena e mansamente
desfiava contas e contos,
talvéz sem se dar conta
de um amor primeiro e singular
que aprisionou-se nos fundões do subconsciente
para renascer ao ensejo de lembranças fugazes.

Por isso a noite quando o sol se põe
e a lua branda se recorta ao céu,
dou asas a meus devaneios.
Despacito, vou me enfurnando "lejo"
no campo largo das reminiscências
onde vagueiam inocentes pirilampos.
Campeio um jeito de voltar atrás,
junto a coragem prá rever estragos
que cimentaram no caminho andado,
pois, só um rosto numa foto antiga
amarfanhado no desalinho das gavetas
liga o real e o meu faz de conta

Se eu não voltar para ficar, contudo
viverei poetando esta saudade linda
que acalma a dor e aproxima os longes,
mas, volta e meia, inverterei o rumo
traçando estradas como um peregrino
buscando imagens, gestos, paisagens

que amenizem o passar dos anos.
Jogarei linhas de espera nos remansos,
irei a escola ver se alguém desfia
contos e contas como antigamente
e ao retornar terei certeza, enfim,
haver encontrado o guri que fui.

2 - ESTRELA D´ÁGUA
Autora: Juarez Machado de Farias
Intérprete: Delci José de Oliveira

O seu nome era Fraterno
irmão das águas do arroio
que davam no Camaquã.

Querido na redondeza,
tirava marcas bonitas
da cordeona de botão.

Os dedos eram ligeiros
garimpando melodias
no braço em flor de violão.
O seu nome era Fraterno:
irmão das flautas do vento,
das ressolanas de inverno.
O coração
que trazia ancorado sobre o peito
tinha as porteiras abertas,
querência dos horizontes,
infinito azul de um tempo...

E sendo irmão das estrelas,
passou a ter duas d´alvas
nas pupilas de campeiro.

E foi na primeira olhada
que encontrou paixão acesa
nos olhos da prenda moça,
ansiosa de primavera.

O seu nome era Fraterno:
irmão das águas do arroio
que davam no Camaquã.

A vida de prenda moça
descobriu encantamentos
em coisas desencantadas:

Teceu soneto na brisa
que precede a noite quente,
colheu rumos de alegria
na estrada mais solita,
floriu a flor do cabelo,
e se enxergou mais bonita!

E tudo porque seus olhos
beberam sonhos de um rio,
irmão das luas cadentes
fremindo em horas de cio.

O sonho da prenda moça
eram os olhos de um poeta,
irmão das águas do arroio

E seu nome era Fraterno,
violão de cordas tesas,
cordeona de voz trocada,
garganta cheia de versos...

(Não sei por que o desengano,
carancho de asa sombria,
ronda os sonhos, voejando
em seu mister de rapina...)

O arroio estava cheio.
Mas o braço de Fraterno
é braço nadador:
irmão das águas que é,
atravesa um rio a nado,
roçando a barranca em flor,
irmão das águas da vida
que brincam sobre esse leito...

- Ou serão águas da morte,
afogando quem rasgava
o arroio embaixo do peito?

Só sei contar deste modo:

Fraterno nadou, nadou...
inaugurando a manhã
dalgum verão preguiçoso,
costeiro do Camaquã.

E seu corpo de menino
descobridor de caminhos
encontrou estranho rumo
na flor de um redemoínho.

Talvez nem tenha enxergado
o tamanho desse enlace:
Fraterno sumiu nas águas
melodiosas de silêncio,
vibrando os dedos de viola
e floreios de cordeona.

Se existe outra querência
no fundo azul dos arroios,
Fraterno estará cantando
nalgum baile de ramada,
pelo "noturno das águas".

Porém não há de esquecer
os olhos da prenda moça,
que amanheceram vermelhos,
chorando a margem sem vida,
sepultando um sonho em flor,
a sorver o desencanto
nos cântaros da partida!...

O seu nome era Fraterno:
irmão das águas do arroio
que davam no Camaquã.

E hoje aquela mocita
que se enxergava bonita
pros olhos de seu amor,
fechou as portas do peito:
não escuta mais o leito
daquele arroio cantor...
Hoje, mora num convento,
levando às mãos um rosário
-de dores, segundo creio...

Irmão de outras estrelas,
que não as que se afogaram
nestas águas em rodeio.

 

3 - ESTAÇÃO 93
Autor: Loresoni Barbosa
Intérprete: Waldemar Camargo

Uma legião de centauros
mete a cara na fronteira
zombando a sorte dos ventos,
pelo perfil da coluna
paleteando negros ponchos
varando a pampa gelada,
parecia que a mão de Deus
confortava a alma dos seus
velando Pátria na geada.

Vinham da banda oriental,
onde por tempo estiveram,
curando os rombos de ferros,
cuidando as almas feridas,
golpeadas pelas mentiras
de herois que faziam guerra,
sem nunca sentir na carne
o frio da lança que arde
quando uma carga atropela.

As paisagens destorcidas
pelo luar quase um dia
ludibriavam os olhos
dos que traziam na mente
a ilusão de um sonho antigo,
pode rever um parceiro
usando um distinto lenço,
sem ter que pagar o preço
de só poder abraçá-lo
quando já morto estivesse.

Quando os lançaços do sol
sangraram a paz das sangas
e reluziram clarins,
os rios de águas tão claras
pratearam lágrimas rubras,
tingidas por outros párias
que tombaram nas batalhas
pra honrar eternas medalhas
na goma dos coronéis.

- A quietude espanta as preces
quando o ar mórbido cresce
de um campo-santo ao relento,
dói a alma do mais taura!
ver homens e animais
sobrepostos pelo chão,
insepultos, indigentes
uns pra dar bóia às tropas,
outros pros ideais...

Desconcertando o silêncio
um quero-quero sentido
se alçava rumo as taperas,
talvés pra avisar fantasmas,
pois era fúnebre o canto
que o sentinela do campo
entoava pelas canhadas...
depois tornava o mutismo
charlando mais que as palavras.

- Pro coração do Rio Grande
marcha a coluna enlutada
levando um clamor nos olhos,
brado das almas cansadas,
dos espíritos que rondam
um povo já sem razão,
que mais parecem hebreus
oferecendo a seu Deus
o holocausto do irmão.

Do que era feito o brio
desses centauros pampeanos
que refugavam bocal?...
Que tinham sonhos e anseios
aprisionados nos olhos
como um amor resguardado
no fundo do coração,
como o cruzeiro teimoso
que mesmo longe do pago
insiste em apontar pro sul.

- O tempo lento passou,
pros que fizeram morada
entre lombilho e o sobreiro,
pros que se armaram de ódio
para o furor de entreveiro,
da fome, das noites frias,
pras viúvas que ampararam
a dor dos filhos bastardos
de estupro e da covardia.

- Quando os clarins repousaram,
guris, mulheres e arados
juntaram-se aos mutilados
para uma nova batalha,
pelenado, não com adagas,
mas ideais libertários
pra um dia termos motivos
para cantar novos hinos
e honrar eternas medalhas.

- Não mais o negror dos ponchos
enlutando a paisanada,
Não mais centauros com lanças
cruzando a pampa gelada...

Mas, por cento ainda vigiam
n'outras formas nosso sul,
pois quando a pampa adormece
pra insônia de mil fantasmas,
uma legião de centauros
mete a cara nas estrelas
e ignorando fronteiras
fazem a ronda do céu.

3 - ZITARROSA
Autor: Telmo de Lima Freitas
Intérprete: Dorval Delgado Dias

Oriental Zitarrosa
Por que partiste?
Obrero de la pampa,
Por que te fuíste?
Las guitarras hermanas
Se quedaron tristes,
Nosotros sabemos
Que pa siempre existes.
Tu cuerpo se quedó en polvo,
Tus vidalitas se callaron
Y tu alma galopea sola,
Mas duerma em paz
Zitarrosa, hermano,
Que se quedó la semilla
De tu canto,
Porque esta jamás morirá
Porque esta alumbrará los caminos
De los que aman de verdad
Su mayor patrimonio universal,
La pampa, la pampa, la pampa...

Y, se volver un dia
En un relincho salvage
De un caballo,
O en la garganta
Del teru-tero hermano,
Será de nuevo
El mismo hombre
de coraje y vergüenza,
con garras de puma,
Flamiando la bandera
Que creyera en élla,
Amando como si fuera,
Tu madre,
Como si fuera tu Pátria,
Como si fuera
La pampa, la pampa, la pampa...

Los Pajonales lloraron
Por tu ausência,
Los cantores piden
Por tu presencia
Pra hacer canciones
Que ablen de amor,
Arrancar vidalas
Com la guitarra Del alma,
Que hable
Com el pulpero,
Com el alambrador,
Com el “taipeiro”
Com el esquilador,
Y grite com toda la fuerza
Despertando la pampa
La pampa, la pampa...

Yo te siento Hermano,
Hablando em la Califórnia
De la Cancion de Uruguyana,
Flor de tierra hermana,
Que abrió el poncho
Para recibirlo
Com tu gana gaúcha,
Sin pareja,
Com tu alma oriental.
Com mucha queja
Mas andando siempre
Por los caminos viejos,
Mirando distancia,
Trayendo Del hondo
Del tiempo,
Uma esperanza nueva
Arrancando Del pecho
Un grito campero
Tan tuyo, saludando
la pampa, la pampa, la pampa...

Por qué camino andrás,
Quemando el ultimo pucho?
Em la vida vivió poço,
Pa nosotros dejó mucho...

 

4 - DESCENDÊNCIA
Autor: Elton B. Escobar Saldanha
Intérprete: Liliana Cardoso R. dos Santos

Eu sou Maria Pequena,
Maria Morena
Maria do Povo.
Eu sou da terra do ouro
Eu sou das pedras de Lavras,
Ali da Vila dos Corvos.

Dizem que por 1800,
Um conhecido fazendeiro,
Das pontas do Camaquã,
Ao andar pela Bahia,
Trouxe de lá uma cabrocha,
Filha de negro e mulata,
Da pele rosa e maçã.

Ao chegar aqui no pago,